Investigador Coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, cientista político, António Costa Pinto defende que esta guerra, movida pela Rússia, contra a Ucrânia, não deveria surpreender os europeus. Não só porque tem um precedente, “a guerra na ex-Jugoslávia foi já um conflito europeu, uma guerra civil mas com grande intervenção internacional”, como, sobretudo, “se tivermos em conta as características da atual Rússia e as outras guerras que esta Rússia autoritária já provocou noutras partes da ex-URSS”.
Costa Pinto recorda que a Rússia conheceu um duplo processo, o da transição para a democracia, que falhou, e o da reconfiguração territorial. O que se se caracterizava por um “autoritarismo competitivo”, foi-se progressivamente confrontando com “a liberdade de expressão e de associação, com a criação de partidos políticos e com a transição para um sistema capitalista, embora um capitalismo de Estado”, com as privatizações a favorecerem “os oligarcas do regime”.
Apesar do posterior reforço autoritário, isto permitiu aos russos “um cheirinho” de como funciona “o outro lado”, o que faz com que a sociedade civil de hoje “já nada tenha a ver com a da Rússia soviética”. Essa maior maturação da sociedade civil não significa, no entanto, que se possa refletir “na capacidade de mudar o sistema a partir da base”, ou seja, “não pressupõe, necessariamente, um clima de insurreição popular suscetível de derrubar o regime de Putin”.
António Costa Pinto nota que tanto as democracias como as ditaduras têm a capacidade de desencadear a guerra, mas, nas ditaduras, pelo menos no início, o processo é bastante mais facilitado: “Dispõem de maior facilidade de expansão territorial e de provocar a guerra, por terem uma estrutura de decisão muito mais unificada”. Ainda assim, adverte o politólogo, “a experiência demonstra” que uma guerra de expansão territorial é “uma aposta de alto risco” para qualquer ditadura: “As ditaduras costumam pagar o preço dessas decisões dos seus ditadores. Hitler ou Sadam Hussein são bons exemplos”.
Costa Pinto lembra que o que acontece com a Rússia pode acontecer com a China, embora o atual sistema comercial global possa refrear mais os chineses: “A sua grande dependência do funcionamento da economia mundial pode protelar” idênticas decisões belicistas da China – “a Rússia tem uma economia pequena…”. O que não quer dizer que a possibilidade não exista “devido ao entendimento que a China tem do que deve ser o seu territótio, o que inclui Taiwan e outras parcelas que hoje não controla”.
António Costa Pinto, embora recomendando prudência, acredita que a agressão russa à Ucrânia contribuíu para reforçar a unidade entre os 27, incluindo países que nem sempre cumprem as regras do Estado de Direito, como é o caso da Hungria e da Polónia: “Uma coisa é certa, no Leste europeu: a Rússia voltou a ser uma ameaça”. Embora advertindo para o comportamento muito errático, em política externa, dos regimes populistas – como o de Viktor Orban, na Hungria – Costa Pinto antecipa que os europeus, incluindo a Leste, aceitarão uma maior integração em política de Defesa.
O poliólogo, usando uma imagem muito conotada com aquela que alguns setores russófilos usam para designar o alegado “interesse americano” na guerra, reconhece que Putin dispõe de “uma enorme autonomia na decisão pessoal”, incluindo o “controlo muito significativo do que se poderia chamar o ‘complexo militar-industrial’ russo”.
Costa Pinto resume que hoje, a Rússia “não tem nada a ver” com a Rússia que liderava “o movimento comunista internacional”. É o regime “de uma oligarquia nacionalista, ou um regime populista nacionalista, que se reclama defensor da velha Rússia imperial e cujas características, até de cariz xenófobo – dominar todos os espaços onde existem russos – até a aproximam mais do espetro político-ideológico da direita radical”. É, conclui, “uma ditadura nacionalista”.
Costa Pinto não subscreve totalmente a tese da regressão das democracias, a nível global. “O que existe, isso sim, é um reforço do poder internacional das ditaduras”. A China, “com o enorme crescimento do seu poder económico, ou a Rússia, com o regresso do militarismo e da sua afirmação bélica”. Mas, quantitativamente, “as democracias não estão a regredir”. Os riscos situam-se mais na deterioração provocada pelo que designa por “subversão populista”. No fundo, foi o que aconteceu à Rússia, no processo da ascenção de Vladimir Putin. Mas os fenómenos de Donald Trump, nos EUA, ou de Bolsonaro, no Brasl, são outros exemplos de como esse processo pode decorrer.
Em conclusão, António Costa Pinto defende que, apesar da solidez do sistema político controlado pelo atual Kremlin, “A expansão territorial é sempre uma aventura extremamente complexa para um regime autoritário”. Um risco que Putin assumiu e do qual ninguém dirá, hoje, que se sairá bem.
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