Era uma resposta ao líder do Chega, André Ventura, no debate no Parlamento, esta quarta-feira. Mas António Costa aproveitou para transformá-la numa réplica à sucedânea de críticas públicas ao pacote legislativo Mais Habitação, que começaram a aumentar de tom desde sábado, com Cavaco Silva, e que sofreram com Marcelo Rebelo de Sousa um duro golpe, nas últimas horas.
O primeiro-ministro começou por reagir às palavras de Ventura, que questionou o que fazia ali, na bancada do Governo no hemiciclo, a ministra da Habitação, após “um Presidente que diz que o programa é tão mau que não devia ter sido apresentado”. Costa alegou que o pacote legislativo, a ser aprovado no Conselho de Ministros, no próximo dia 30, não só teve parte das suas medidas alvo de discussão nos últimos anos, como existem “equívocos” quanto a algumas delas.
(Diploma) foi promulgado pelo professor Aníbal António Cavaco Silva, o sábio dos sábios, e, creio que seria uma enorme injustiça de dar-lhe qualquer veleidade de marxista; e, finalmente, foi referendado pelo não menos sábio, Pedro Passos Coelho, que seguramente não é marxista…
António Costa
“Temos o pacote Mais Habitação em discussão pública; tem sido uma discussão muito rica, com contributos muito positivos, com contributos muito destrutivos e, também, com alguns contributos que assentam em vários equívocos. Há um que ouço muito: ‘começaram agora’. Começámos em 2015, com a definição da Estratégia Nacional”, que faz com que já no Plano de Recuperação e Resiliência tenha havido uma fatia financeira considerável e muito municípios tenham obras em curso, realçou Costa – para depois apontar baterias a “equívocos mais redutores”. Quais e de quem? Ora, a partir daqui houve recados tanto para Cavaco, como para Marcelo, que questionaram o aproveitamento de propriedades devolutas ou fechadas para arrendamento forçado.
“O mais extraordinário é que eu vejo grande oposição a medidas que não são propriamente novas; já existem. Há muitos anos que o regime geral de urbanização e edificação prevê a posse administrativa para efeitos de reabilitação e até o arrendamento forçado. Mais recentemente, numa lei de 2014, 32/2014, a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e Urbanismo, no artigo 36, nº 1, em vigor, – que eu saiba, nunca ninguém suscitou a fiscalização da sua constitucionalidade, mas, quem o pode fazer, está sempre a tempo de o fazer – diz o seguinte: os edifícios e as frações autónomas objeto de ação de reabilitação podem ser sujeitos a arrendamento forçado. Ou seja, a previsão de haver arrendamentos forçados não é, propriamente, uma novidade; é algo que já existe“, ironizou Costa, que fez questão de apontar baterias ao poder de então, do qual Cavaco é o ponta de lança.
Segundo o socialista, “esse diploma, de 2014, foi assinado, não por três marxistas ignorantes, mas, por três pessoas sábias, e creio que nenhuma delas marxistas: em primeiro lugar, pela presidente da Assembleia da República de então, Assunção Esteves – uma pessoa sábia, e duvido que marxista; foi promulgado pelo professor Aníbal António Cavaco Silva, o sábio dos sábios, e, creio que seria uma enorme injustiça de dar-lhe qualquer veleidade de marxista; e, finalmente, foi referendado pelo não menos sábio, Pedro Passos Coelho, que seguramente não é marxista”.
“Sei que tem sido motivo de grande excitação no debate público, acontece que, do pacote, [o arrendamento forçado] é aquilo que tem menos novidade, porque há muito neste pacote com muita novidade”, disse.
No último sábado, num evento organizado pelo presidente da Câmara de Lisboa, onde se pretenderia discutir a habitação, o antigo presidente da República, Cavaco Silva, considerou que o Mais Habitação se trata de um “resultado do falhanço da política do Governo” e alertou que há uma intenção da “coletivização da propriedade urbana privada”, levada a cabo por “marxistas ignorantes das regras da economia de mercado”. “Deixemo-los em paz com a sua ignorância”, atirou, levando a que a socialista Luísa Salgueiro, presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, e o autarca do PS Ricardo Leão, presidente da Câmara de Loures, se levantassem da primeira fila da plateia e abandonassem o encontro.