A posição pública do Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) “pretende passar a ideia perigosa de que o fórum apropriado para elaborar a legislação do trabalho, no nosso País, não seria o Parlamento, mas sim a concertação social. Ora não se pode, sob pena de cairmos em tentações corporativas, confundir concertação com legislação e pôr em causa a supremacia legislativa do Parlamento”. As palavras são do sindicalista e dirigente da associação Práxis, Ulisses Garrido, e enquadram a carta aberta, com 54 subscritores, enviada para Belém, tendo como destinatário o Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa, recorde-se, tem até ao final desta semana para decidir se rubrica os diplomas ou envia a documentação para o Tribunal Constitucional. A missiva que vem agora contrariar os argumentos que os patrões fizeram chegar a Belém junta professores de Direito do Trabalho, juristas, dirigentes sindicais da CGTP, UGT e sindicatos não filiados nas centrais, coordenadores de comissões de trabalhadores de grandes empresas (RTP, EDP, MEO, Autoeuropa), investigadores, professores da área das Ciências Sociais e das relações de trabalho, além de outras figuras com projeção política e mediática que quiseram assinar o documento apenas enquanto profissionais de diversas áreas e setores de atividade. Entre outros, estão lá Alexandra Leitão (Jurista, ex-ministra e atual deputada do PS), Ana Drago (socióloga), António Monteiro Fernandes (professor da Nova School of Law), Daniel Oliveira (jornalista), Elísio Estanque (investigador do Centro de Estudos Sociais), Helena Lopes (professora do ISCTE), Henrique Sousa (coordenador da Práxis-Trabalho e Sindicalismo) José Reis (professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra), José Soeiro (sociólogo e deputado do BE com o mandato suspenso), Luís Filipe Simões (presidente do Sindicato dos Jornalistas), Manuel Carvalho da Silva (sociólogo, antigo secretário-geral da CGTP), Miguel Costa Matos (economista e deputado do PS), Milena Rouxinol (professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica), Rui Tavares (historiador e deputado do Livre), Sérgio Monte (dirigente da UGT e deputado do PS), Soraia Duarte (secretária-geral adjunta da UGT).
Contra equívocos e “perversões”
A carta surge como resposta a uma outra, enviada a 10 do corrente ao Presidente da República, pelo CNCP, na qual se apela ao inquilino de Belém que considere as alegadas “inconstitucionalidades” de medidas constantes da chamada “agenda do trabalho digno”, aprovada pelo Governo e pela Assembleia da República (AR). Após reuniões infrutíferas com o primeiro-ministro António Costa e o próprio Marcelo, os “patrões” insistem na contestação e manifestam-se contra aquilo que consideram a desvalorização do papel da concertação social. Há vinte anos que um vasto rol de alterações neste âmbito legislativo não tinha origem no Parlamento, facto que terá contribuído para o desconforto das organizações patronais, habituadas à prática tradicional do bloco central (PS e PSD) de acordar estas matérias em sede de concertação social.
Ora, os 54 signatários da missiva de resposta às posições da CNFP valorizam, precisamente, este regresso à normalidade constitucional e o facto de ser a AR o órgão soberano para legislar sobre as matérias em causa. “São as regras de funcionamento do sistema democrático a funcionar, sem perversões”, explicam. O contrário, alega-se, “seria uma inequívoca e assaz perigosa perversão” que daria às confederações patronais “uma espécie de poder de veto em matéria de legislação laboral”.
Sem “diabolizar“
A carta aberta não pretende, assumem os subscritores, “diabolizar a concertação social”. Pelo contrário: garantem valorizá-la “enquanto instância privilegiada de diálogo social tripartido e de negociação”, além de “importante órgão de consulta do Governo”. Tal, porém, não legítima aquilo que consideram um “equívoco”: a ideia de que o Parlamento não é órgão adequado para legislar. “A supremacia legislativa do parlamento e da sua plural representação partidária”, lê-se no documento, “não pode nem deve ser questionada, não sendo aceitável qualquer narrativa que pretenda confundir os poderes de órgãos politicamente legitimados pelo voto popular (como é o caso, por excelência, da Assembleia da República) com os poderes de órgãos sociais setoriais, que representam grupos de interesse, os quais, por muito estimáveis que sejam, não têm qualquer legitimidade para assumir poderes próprios dos órgãos de soberania previstos na Constituição.”.
Para os signatários, as “tentações” e “oposição” das organizações patronais aos diplomas tem outra explicação: “A oposição das confederações patronais à reforma laboral concentra-se significativamente, e não por acaso, em matérias em que esta reforma das leis laborais representa progressos do ponto de vista da justiça laboral. E tenta para isso instrumentalizar indevidamente a concertação social para os seus propósitos e colocá-la em confronto com o poder legislativo”.
Esgrimidos os argumentos a poucos dias da decisão de Belém, falta saber que “peso” terão das duas cartas na posição do Presidente da República.