Apesar de a demissão do secretário de Estado Adjunto, Miguel Alves, ter retirado alguma pressão à reunião da Comissão Política do PS, nesta quinta-feira à noite, a verdade é que o ambiente no Largo do Rato esteve muito longe de ser pacífico. O principal motivo? O debate sobre a proposta de revisão constitucional, cujo o agendamento terá sido feito poucas horas antes, juntando-se ao, até então, único ponto para discussão (a análise da política nacional), e que apanhou de surpresa a maioria dos dirigentes que se sentam naquele órgão deliberativo do partido.
As críticas às alterações constitucionais, que António Costa levou ao encontro, foram em grande número, provocando enorme surpresa ao líder socialista. Porém, Costa não estaria à espera que, simultaneamente, lhe pudessem apontar fragilidades à forma como estará a gerir o partido, num “formato inner circle“, como detalharam à VISÃO alguns membros da comissão política, e cuja informação foi confirmada por outros socialistas que ali estiveram.
Esta foi a primeira reunião do órgão de direção do PS, depois de um longo interregno de nove meses e deste novo governo de maioria absoluta ter entrado em funções. Conforme a VISÃO apurou, o distanciamento entre o secretário-geral do PS e os dirigentes foi um facto notado por vários intervenientes que subiram ao palanque, uma vez que estas reuniões deviam acontecer de dois em dois meses.
O eurodeputado Pedro Silva Pereira terá lembrado que tinha sido o coordenador da última proposta do PS para a revisão constitucional e que neste momento não se vê necessidade de reabrir esse processo
Um afastamento do líder em relação ao partido, e o facto de aquele se rodear de uma pequena equipa de conselheiros – não tendo, alegadamente, qualquer contacto com mais ninguém fora desse núcleo fechado -, foi um dos pontos mais notados – e criticados – pelos membros daquele órgão.
Todavia, as alterações constitucionais que o PS entregou esta sexta-feira na Assembleia da República, por ser o último dia do prazo para os partidos o fazerem, acabaram por se tornar tema de discórdia, que ocupou grande parte da discussão. Vários dirigentes queixaram-se de não ter tido acesso aos textos antecipadamente, “de este não ser um processo participado” e “alguns pontos propostos serem inaceitáveis e contra o espírito da Constituição”, como adiantou um deles.
Terá sido defendido que o acesso aos metadados e os condicionamentos à liberdade pudessem ser decretados sem autorização judicial, tendo vários juristas socialistas se pronunciado e oposto à ideia; e explicado que essa fronteira não deve ser ultrapassada.
O ponto haveria de cair da proposta final, mas no discurso de encerramento, António Costa terá afirmado que “juristas e constitucionalistas eram uma barreira ao bom senso”.
Pedro Delgado Alves, um dos dirigentes que, aos microfones, sublinhou o tal afastamento e discordou dos moldes das alterações à Constituição propostas por Costa, dirigiu-se no final da reunião ao Primeiro-Ministro, que, visivelmente irritado, chegou a levantar a voz, uma altercação notada, com desconforto, por muitos presentes, de acordo com os relatos feito à VISÃO.
Vieira da Silva surpreendido e Brilhante Dias desinspirado
Na verdade, Costa esteve “a reunião toda irritado”, mas também surpreendido “porque não esperaria tantas reservas” ao processo de revisão constitucional.
Quase todas as intervenções, frisaram à VISÃO, foram de “perplexidade pelo PS estar a embarcar numa agenda que foi aberta pelo Chega e à qual o PSD deu pernas para andar”.
O ex-ministro da Segurança Social, e histórico socialista, José António Vieira da Silva foi uma das vozes que “apontou a mesma coisa”: “não compreendia” e “não estava convencido” pelo que tinham dito quer o secretário-geral do PS, quer o líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias, a quem coube apresentar em detalhe a proposta. Aliás, alguns dirigentes da Comissão Política sinalizaram à VISÃO a “forma desinspirada e sem grande convicção” com que Brilhante Dias fez a apresentação.
O eurodeputado Pedro Silva Pereira, que lembrou a quem ali estava naquele órgão do PS que tinha sido o coordenador da ultima proposta de revisão constitucional apresentada pelo PS, defendeu que “este não é o timing para tal”.
Costa distancia-se de proposta
Opositor interno de António Costa há vários, Daniel Adrião foi outra das vozes críticas, tendo sublinhado que “Miguel Alves era o elefante na sala” naquela reunião. Acusou a porta-voz do Governo, Mariana Vieira da Silva, de ter garantido, no briefing do Conselho de Ministros, que o caso de Miguel Alves estava esclarecido, e que existe “um voto de silêncio sobre este assunto”.
O dirigente registou que, passadas escassas horas do anúncio da demissão do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Costa devia “uma explicação à Comissão Política, ao PS e ao País”.
No final, perante tais críticas e dúvidas dos socialistas, António Costa fez questão de sublinhar que, naquela reunião, tinha sido apenas o “porta-voz do secretariado nacional [o seu próprio núcleo duro] e que reservaria para si a sua opinião, distanciando-se, assim, da proposta que motivara tão acesa discussão.
Refira-se que o tal projeto de revisão constitucional desenhado pelo secretariado de Costa acabou por não ser submetido a votos nesta reunião da Comissão Política.