O segundo e último dia de debate na generalidade sobre a proposta orçamental para 2023 arrancou com o ministro das Finanças a prometer que não ia “vender ilusões aos portugueses”. O “contexto é particularmente difícil”, mas, mesmo assim, Fernando Medina garantiu que, “mobilizando as forças internas para lidar com as forças externas”, será possível ter “quatro anos de estabilidade nos rendimentos” e prosseguir uma “política de contas certas”. Todavia, as palavras do governante não convenceram bancada parlamentar nenhuma, à exceção da do partido socialista, que, com maioria absoluta, tem força suficiente sozinho para aprovar o primeiro exercício orçamental de Medina na generalidade.
À direita, o deputado social-democrata João Barbosa de Melo acusou o Executivo de provocar “efeitos contracionistas”, retendo uma “folga” orçamental proveniente da alta inflação para baixar o défice e a dívida, em vez de devolver esse dinheiro aos portugueses. Acusação que o ministro das Finanças recusou, sublinhando que até poderia ter ido mais longe na redução do défice, mas preferiu mantê-lo em 1,9% (quando poderia ter ido até aos 0,9%) e investir no “pacote famílias primeiro”.
“Estamos a devolver integralmente à economia a receita adicional que o Estado arrecadou resultante da inflação”, garantiu Medina, notando ainda que “toda a dívida implica uma transferência para os credores, mas o Governo faz isso na justa e conta medida de servir o país e de proteger o futuro dos portugueses”, disse, desacreditando a sugestão do Bloco de Esquerda para deixar que o défice ficasse em 3% e que se investisse antes na melhoria das condições de vida dos cidadãos.
“Se tivéssemos um défice de 3%, que margem teríamos para apoiar as famílias e economia? Nenhuma. Aí sim seria a verdadeira austeridade. É isto que os partidos à nossa esquerda não entenderam nem quiseram entender”, criticou o responsável pela pasta das Finanças, que não ficou sem resposta.
Criou assim um dos momentos mais acesos do debate orçamental, protagonizado pelo líder do grupo parlamentar bloquista, Pedro Filipe Soares, que acusou o Governo de praticar políticas “odiosas” e de “proteger quem rouba”, referindo-se às grandes empresas a lucrar com a inflação.
“Odioso é o empobrecimento”, “odioso é entregar contas mentirosas ao Parlamento”, “odioso é dizer que cumprir a lei das pensões pode comprometer estabilidade Segurança Social”, continuou Pedro Filipe Soares, num discurso complementado pela colega de bancada Mariana Mortágua que se mostrou indignada por o Executivo “não mexer uma palha para taxar” o lucro de 1200 milhões de euros que a EDP, a Galp e o grupo Jerónimo Martins distribuíram pelos seus acionistas, desde que a Guerra na Ucrânia começou. O tema também foi trazido ao hemiciclo pelo deputado comunista Bruno Dias, que inquiriu ainda o ministro sobre a possibilidade de uma nova transferência para o Novo Banco – ideia rejeitada por Medina.
Na bancada do PSD, o deputado Hugo Carneiro voltou a trazer para o debate o tema das pensões com o intuito de criticar António Costa por faltar à sua palavra e não proceder a um aumento histórico destas, como prometido em junho. “Mil milhões de euros serão cortados na base da atualização das pensões para o futuro – isto não é cumprir a palavra honrada. Até as vacas perderam as asas”, afirmou, numa alusão à expressão “vacas voadoras”, usada no passado pelo primeiro-ministro como metáfora para dizer que não haveria impossíveis.
Já a Iniciativa Liberal e o Chega dedicaram as suas questões ao ministro das Finanças para pedir esclarecimentos sobre as dividas do SNS (no caso do primeiro partido) e os apoios à escola pública (no segundo).
Ministro da Economia admite descontentamento com Banco de Fomento
No final da manhã foi a vez de António Costa Silva responder às perguntas dos deputados. E numa reação à acusação do parlamentar do PSD Jorge Salgueiro Mendes – que defendeu que, durante os mandatos socialistas, o Banco de Fomento “continua a ser uma miragem; do discurso à realidade é uma tragédia grega” -, Costa Silva admitiu que “as instituições não são perfeitas”.
“Não estou contente com o desempenho do Banco de Fomento. Temos de melhorar”, continuou o ministro da Economia, argumentando que, mesmo assim, a instituição “foi criada no meio de uma pandemia” e, “nessas situações muito difíceis, operacionalizou uma linha de nove mil milhões de euros de garantias, que ajudou muitas empresas nos tempos mais difíceis”.
“Vamos revisitar tudo isso e organizar as coisas de maneira a termos resultados melhores”, deixou a promessa António Costa Silva.