Pedro Nuno Santos nunca se esforçou para passar despercebido – e, talvez por isso, jamais tenha colhido a unanimidade (dentro e fora do PS). O atual ministro das Infraestruturas e da Habitação, que poderá estar a prazo no executivo liderado por António Costa, protagonizou, nas últimas horas, nova polémica, depois de ter dado ordens, na quarta-feira, para ser publicado, em Diário da República, uma solução para o futuro aeroporto da região de Lisboa, ao que tudo indica, à revelia de António Costa e colegas de Governo.
O despacho, revogado esta manhã, menos de 24 horas depois, por decisão de António Costa, terá “apanhado o primeiro-ministro de surpresa”, que ficou “furioso” com Pedro Nuno Santos, pois a decisão final “não estava validada pelo Conselho de Ministros e muito menos tinha ‘luz verde’” para avançar e ser anunciada; até porque, em relação a este dossier, António Costa já anunciou que pretende chegar a consenso com a oposição.
O episódio, que até pode ser o derradeiro, não é, no entanto, o primeiro em que Pedro Nuno Santos se envolve. O estilo direto e frontal, a resposta pronta às perguntas difíceis, os “bate-boca” públicos com adversários políticos, os “braços de ferro” com empresários do setor que tutela, deram-lhe fama de “durão”. A personalidade distinta – cedo conotada com a ala mais à esquerda do PS (conhecida como o núcleo dos “jovens turcos”) – colocam-no, inclusive, na lista de possíveis sucessores de António Costa à liderança do partido.
Resistirá o “enfat terrible” do PS (e do Governo) a mais uma polémica?
Esquerda, volver
Pedro Nuno Santos, 45 anos, nasceu em São João da Madeira (Aveiro), em 1977. A política surgiria na sua vida com naturalidade. O pai, empresário no ramo do calçado e do equipamento industrial, chegou a ser vereador do PS na Câmara de São João da Madeira. A família tinha posses – e é natural que se recorde o tempo em que Pedro Nuno Santos, ainda jovem, se passeava ao volante de um Porsche 911 (que acabaria por vender por considerar não ser “compatível” com o socialismo).
A Juventude Socialista (JS) serviu de “rampa de laçamento” – filiou-se com apenas 14 anos, foi eleito presidente da Federação de Aveiro e, aos 27, chegaria a secretário-geral da a entrutura juvenil (cumprindo mandato entre 2004 e 2008). As qualidades e ambição não permitiam dúvidas: Pedro Nuno Santos, mais cedo ou mais tarde, entraria pela “porta grande” da politica portuguesa. Ainda foi presidente da estrutura distrital de Aveiro do PS e deputado na Assembleia da República; mas assim que o partido recuperou o poder, o seu nome surgiu naturalmente na lista de governantes.
O voto de confiança não poderia ser maior. Em 2015, seria nomeado por António Costa como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. No primeiro mandato da “Geringonça”, em que os entendimentos parlamentares à esquerda eram, mais do que importantes, fundamentais para a governação, Pedro Nuno Santos ficou responsável por “cuidar” da (delicada) relação com Bloco de Esquerda e PCP – conseguiria, nessa função, a aprovação de quatro Orçamentos de Estado.
O reconhecimento do bom trabalho valeu-lhe a “promoção”. Em 2019, foi nomeado titular para a pasta “quente” das Infraestruturas e da Habitação – cargo que (ainda) mantém.
No “olho do furacão”
Não é fácil enumerar, em poucas linhas, todas as polémicas protagonizadas por Pedro Nuno Santos, nos últimos três anos. Em 2019, assim que foi “promovido” a ministro, viu a sua vaga nos Assuntos Parlamentares passar a ser ocupada por alguém que lhe era muito próximo, outro dos “jovens turcos”, Duarte Cordeiro. Até aqui, tudo normal. Pior, foi quando a mulher de Pedro Nuno Santos, Ana Catarina Gamboa, foi nomeada por Duarte Cordeiro para chefe de gabinete – numa altura em que já eram notícia a teia de ligações familiares na cúpula do PS. A escolha caiu mal, mas o gabinete do secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares justificaria a nomeação com as qualificações da escolhida.
Outra controvérsia, logo no ano seguinte, surgiu na sequência da nomeação de Nuno Aráujo, ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, na altura em que era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para presidente do Conselho de Administração dos Portos do Douro Leixões e Viana do Castelo. A escolha foi polémica, que aumentou, pouco meses depois, quando Nuno Araújo foi alvo de buscas da Polícia Judiciária, por suspeitas da prática de crimes de corrupção e tráfico de influências.
Seriam, porém, os desafios no setor dos transportes (que tutela) a darem a Pedro Nuno Santos repentina dimensão mediática. Os dossiers TAP e Groundforce, a aposta (adiada) na ferrovia, as dúvidas sobre o novo aerporto de Lisboa, entre outros temas, animaram o país-político, com respostas e contra-respostas, promessas e ameaças, mensagens de esperança e desalento. O (muito) dinheiro público injetado na TAP continua a dar que falar.
As relações com os parceiros privados do Estado – David Neeleman (na TAP) e Alfredo Casimiro (na Groundforce) – desenrolaram-se ruidosamente; os “divórcios” consumaram-se quase na casa de partida, com destaque para o episódio de março de 2021, quando uma conversa privada entre o ministro e Alfredo Casimiro foi tornada pública, levando Pedro Nuno Santos a apresentar uma queixa-crime contra o patrão da Pasogal, acionista maioritária da empresa de handling que presta serviços à TAP.
“Puxão de orelhas”
Mais recentemente, Pedro Nuno Santos entrou num diálogo “aceso” com o presidente da Ryanair, Michael O’Leary, depois de o empresário irlandês criticar abertamente as opções de apoio do Governo (e do próprio Pedro Nuno Santos) à TAP (e que, para já, podem atingir os 3,7 milhões de euros até 2024).
O ministro terá convocado o dono da companhia low-cost para uma reunião, apenas para lhe transmitir que “não aceita intromissões nem lições de uma companhia aérea estrangeira que responde apenas perante os seus acionistas”, para avisar que “a Ryanair é uma empresa privada e não tem de interferir nas decisões soberanas tomadas pelo Governo português” e para garantir que, “perante os sistemáticos atos hostis de ataque à TAP, a Ryanair não deve esperar do Ministério das Infraestruturas e da Habitação uma atitude de cooperação ou sequer de indiferença”.
O encontro, que decorreu num ambiente hostil, levaria Michael O’Leary a endurecer os ataques dirigidos ao ministro. O presidente da Ryanair convocou uma conferência de imprensa, para “responder à letra”, aproveitando, perante os jornalistas, para colocar um nariz de “pinóquio” numa foto de Pedro Nuno Santos, e reafirmar que o ministro “estava a mandar dinheiro pela sanita [com o apoio à TAP]”.
Pedro Nuno Santos não gostou do que viu, mas o conflito foi contido, no seio do Governo, embora para muitos já tarde demais. Na altura, Pedro Nuno Santos terá levado um “puxão de orelhas” pela postura pública que apresentara.
A própria colega de partido, Ana Catarina Mendes, à época deputada do PS (hoje colega no executivo), próxima de António Costa, diria, em toma de alerta, no programa “A Circulatura do Quadrado” – da qual do painel fazia parte –, que Pedro Nuno Santos, pela posição que ocupa, “não se pode pôr no mesmo patamar [que o empresário irlandês]” e que tem de ter “alguma ponderação e alguma sensatez” na forma como reage nestas situações.