A votação final global do Orçamento do Estado de 2022 (OE) quase repetia ipsis verbis a da generalidade, não fosse a surpresa da abstenção dos três deputados sociais democratas do círculo eleitoral da Madeira, que, até ao momento da votação, se tinham recusado a anunciar o que iriam fazer, mesmo tendo o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, admitido, na quinta-feira, que estavam criadas “pontes de diálogo” com o Executivo nacional. Quer isto dizer que, entre os parlamentares convocados pelo Governo para as negociações laterais de propostas de alteração ao documento socialista, apenas a Iniciativa Liberal votou contra o OE. PAN e Livre também se abstiveram.
Votação Final Global OE 2022
Votos a favor: PS
Votos contra: PSD, IL, Chega, BE, PCP
Abstenções: PAN, Livre, PSD Madeira
Apesar da proposta orçamental ter passado pela discussão na especialidade sem alterações substanciais em relação ao conteúdo inicial, o PAN e o Livre foram os partidos cujas propostas tiveram melhor aceitação do Governo, tendo a deputada única do PAN, Inês Sousa Real, considerado, no debate de encerramento, que houve “avanços muito importantes” graças ao seu partido, com um impacto orçamental estimado de cerca de 100 milhões de euros. Sousa Real lamentou que não se tenha ido ainda mais longe, nomeadamente, com a aprovação da licença menstrual ou do cabaz alimentar essencial com IVA zero, no entanto, “apesar de não ser o orçamento do PAN, este é um orçamento que tem a marca indelével do PAN e que sai deste Parlamento melhor do que entrou”.
O discurso do deputado do Livre, Rui Tavares, foi na mesma direção: a rede de transportes escolar gratuita pode ter ficado de fora, mas “algum caminho foi feito”. O porta-voz do partido de esquerda ecológica e europeísta conseguiu imprimir a sua marca no primeiro orçamento em que Tavares participa, tendo visto aprovado, por exemplo, o alargamento do subsídio de desemprego às vítimas de violência doméstica.
Direita antevê “empobrecimento” e “bancarrota”
“O Governo olhou para uma mão e viu a proposta de Orçamento que tinha sido rejeitada. Olhou para a outra mão e viu a maioria absoluta entretanto conquistada pelo Partido Socialista e daí a concluir que não valia a pena esforçar-se para apresentar a esta Assembleia um Orçamento consentâneo com a atual realidade, pois podia fiar-se no peso da sua maioria absoluta, foi apenas um pequeno passo”, criticou o líder parlamentar do PSD, Paulo Mota Pinto, que, no seu discurso, apontou falhas às promessas eleitorais feitas pelos socialistas, que, segundo o social democrata, insistiram em não adaptar a proposta orçamental aos dias de hoje.
Paulo Mota Pinto defendeu que Portugal caiu “num processo de empobrecimento relativo sem fim à vista” e que o Parlamento “não pode deixar passar em claro esta quebra de compromisso do PS”. “O mais perverso de tudo é que, com o atual nível de inflação, o Estado está a aliviar as suas necessidades financeiras e a enriquecer. O Estado socialista enriquece, os trabalhadores empobrecem”, afirmou.
E onde o líder da bancada do PSD viu “empobrecimento”, o presidente do Chega viu “bancarrota”, caraterizando o OE 2022 como “o orçamento das contradições e dos absurdos”. “Estamos no caminho da bancarrota, estamos no caminho da destruição e eu tenho quase a certeza, mesmo sem ter que ler nas estrelas, que este Governo nos vai levar à mesma bancarrota que o último Governo socialista nos levou e que nós cá estaremos para pagar depois”, disse.
Em representação da IL, a deputada Carla Castro destacou a “falta de visão” do PS: “Este Governo não tem a ambição de transformar nem reformar e, por isso, este é um mau orçamento. Nós sabemos que a pandemia não foi escolha nossa, nós sabemos que a guerra não foi escolha nossa, nós sabemos que a inflação não foi escolha nossa. Mas sabemos que o Governo poderia escolher uma atitude diferente: o Governo poderia ter escolhido política diferentes”.
Esquerda magoada
BE e PCP acusaram o Governo de montar uma farsa, com António Costa a não honrar a sua palavra quando definiu que a legislatura seria marcada por uma “maioria de diálogo”. A líder bloquista defendeu que o OE “sai do Parlamento igual ao que entrou” e que os socialista torceram “o regimento e brincaram às cedências”. Palavras que o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, recebeu com protestos, optando por dizer que o PS “apenas votou sozinho contra 2% das propostas de alteração”.
Já Paula Santos, do PCP, diagnosticou que as “soluções que o PS recusou, como já tinha recusado antes, têm agora impactos agravados”, por causa da inflação causada pela Guerra na Ucrânia. E quis sublinhar as diferenças face aos tempos em que os comunistas eram parceiros do Governo, entre 2015 e 2021 – “ há uma enorme distância entre este Orçamento e os orçamentos anteriores, que confirma que os avanços alcançados nos últimos anos só foram possíveis pela nossa persistência e tantas vezes contra a vontade do PS”, disse a líder parlamentar do PCP.