Apesar de constar na parte do Código do Processo Penal dedicada às “medidas de coação e de garantia patrimonial”, José Sócrates considera que o Termo de Identidade e Residência (TIR) não tem, tal como a lei refere, a “natureza de medida de coação”, mas trata-se simplesmente de um “ónus” sobre o arguido para indicar uma morada de forma a receber as notificações do tribunal. Este é um dos argumentos apresentados pelo antigo primeiro-ministro, pronunciado para julgamento por falsificação de documentos e branqueamento de capitais, para contestar o facto de se ter deslocado para o Brasil sem avisar o tribunal que o vai julgar.
Num artigo publicado, esta quarta-feira no jornal “Tal&Qual”, em reacção à investigação da VISÃO sobre as suas viagens ao Brasil não comunicadas ao tribunal, Sócrates insiste na tese de que, como arguido sujeito a TIR, não está obrigado a comunicar ao tribunal as ausências por mais de cinco dias da morada que indicou. “É assim que eu vejo as coisas e esta parece-me ser a única interpretação da lei digna de uma ordem penal cujo valor principal é a liberdade”, escreveu no texto que, como o próprio jornal refere, foi recusado “por vários órgãos de comunicação social”.
José Sócrates, tal como já o seu advogado declarou, sustentou ainda que decidiu nada comunicar em “legítima defesa” da sua vida privada. É que, para o arguido, “tudo o que é dito no processo está disponível para o Ministério Público e tudo o que está disponível para o Ministério Público acaba nos jornais”. O antigo primeiro-ministro, porém, não referiu que, atualmente, o processo é público, tendo sido, aliás, consultado nos últimos meses por vários jornalistas.
Continuando a fazer a sua interpretação da lei, José Sócrates também afirma não reconhecer legitimidade à juíza de julgamento para separar da Operação Marquês os factos relativos à falsificação de documentos e ao branqueamento de capitais, pronunciados para julgamento, a 9 de abril de 2021, pelo juiz Ivo Rosa. Isto é, a magistrada limitou-se a isolar os factos e as provas daqueles dois crimes, isolando-os do resto do processo que o juiz Ivo Rosa mandou arquivar, mas que está em recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.“É meu entendimentos que essa competência de separar os processos não pertence à juíza de julgamento, mas ao juiz de instrução”, escreveu, apesar de existir já uma decisão do juiz-desembargador Trigo Mesquita (entretanto, jubilado) a concordar com a decisão da juíza Margarida Alves.
Refira-se que a defesa de José Sócrates ainda recorreu para o Tribunal Constitucional, mas perdeu. Por isso, e como diz não concordar com a separação dos processo, José Sócrates também acha não estar sujeito a Termo de Identidade e Residência, já que, na sua opinião, nunca foi constituído arguido neste “novo” processo.
Cinco dias
O texto de José Sócrates surge no dia seguinte a um despacho da juíza Margarida Alves, que deu cinco para a sua defesa explicar o motivos das viagens ao Brasil não comunicadas ao tribunal, tal como o procurador do Ministério Público requereu. Vítor Pinto pediu para a defesa do antigo primeiro-ministro comunicar se “entre 9 abril de 2021″, dia da decisão instrutória que o pronunciou para julgamento, “e a presente data, alguma “vez se deslocou ao estrangeiro e aí permaneceu por mais que cinco dias”.
No mesmo documento, a que a VISÃO teve acesso, o procurador Vítor Pinto questiona ainda “qual a razão por que não informou nos autos a sua ausência por mais de cinco dias”, acrescentando que a informação é pedida “tendo em vista art.203, nº1” do Código do Processo Penal. Isto é: o artigo que prevê a revisão das medidas de coação em caso de incumprimento: “Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no caso”