“Os portugueses acordaram hoje em choque”, afirmou o deputado social democrata Pedro Melo Lopes, referindo-se à notícia avançada pelo jornal Público, onde se lê que os médicos das Unidades de Saúde Familiar (USF) de tipo B – que recebem, para além do seu ordenado, um valor adicional com base em atividades específicas – podem deixar de ter acesso ao bónus nos casos de interrupção voluntária da gravidez (IVG) e de mulheres que sejam portadoras de doenças sexualmente transmissíveis. A proposta de revisão dos critérios para os prémios destes profissionais foi feita por uma comissão técnica e ainda não teve o aval do ministério da Saúde, quis deixar claro a ministra, Marta Temido, esta terça-feira à tarde, no Parlamento. Sem que, no entanto, tenha expressado o que a tutela pretende fazer em relação a esta medida.
Foi o PSD que trouxe o assunto à Comissão de Saúde, que debatia esta tarde a proposta de Orçamento do Estado para 2022 na especialidade, mas juntaram-se os grupos parlamentares do PCP, do BE e a deputada única do PAN para exigir respostas à ministra e mostrar a sua indignação com a discriminação das mulheres portadoras de doenças sexualmente transmissíveis que procedam à IVG. Acusações que aqueceram o debate, fizeram a ministra da Saúde subir o tom e “condenar veementemente quem ache que está aqui alguma penalização ou condenação de alguma mulher”. “Essa não é uma discussão para o nosso País, para este Governo, isto é só uma questão de saúde que tem de ser analisada”, disse Marta Temido, depois da líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, se ter referido a “um policiamento do corpo das mulheres” e ter defendido que em circunstância alguma se pode discriminar quem faz um aborto.
A governante garantiu que não é isso que está em causa e sim “tentar que o desempenho dos profissionais seja aferido pela melhor saúde dos seus doentes”. No entanto, Marta Temido nunca revelou o parecer da tutela em relação ao documento que revê os critérios de avaliação dos médicos das USF B. Apenas quis referir o conteúdo da proposta, rejeitando qualquer penalização: “estamos a falar de uma métrica, que foi proposta por um grupo técnico e que tem um racional especifico. Obviamente que não é a penalização nem do utente, nem do medico, mas a diferenciação do desempenho quando se está a avaliar o planeamento familiar. Nós estamos a falar de algo que tem de ser visto no seu contexto. Neste indicador especifico, a métrica estará associada a consultas, a um conjunto de análises, a instrumentos de planeamento familiar e os indivíduos do sexo feminino que realizaram uma IGV são excluídos do denominador”. Contudo, continua a ministra, “isso não quer dizer que haja uma penalização e muito menos que esteja aqui em causa qualquer juízo de qualquer natureza”.
Desde 2007 que o ordenado das equipas das USF B se divide entre uma remuneração fixa (associada ao número de utentes atendidos e ao horário de trabalho) e outra variável (relacionada com o cumprimento de seis critérios específicos, dizendo o primeiro respeito a atividades de planeamento familiar). A prestação dos médicos nestas áreas dita o que recebem na conta no ano seguinte. Estes critérios foram recentemente alvo de uma reflexão de um grupo de técnicos, que colocou a medida acima descrita na proposta de revisão, já com o aval da Direção-Geral da Saúde. “Pode-se concordar ou discordar”, notou Marta Temido, que apelou a que não se coloque em causa “a circunstância da IVG, que todos entendem que é algo absolutamente demolidor do ponto de vista da saúde física e mental”.
Governo promete meter em marcha 50 unidades de cuidados primários este ano
Ainda durante a audição, a ministra da Saúde antecipou em resposta aos deputados que das cem obras prometidas no programa eleitoral do PS em unidades de cuidados de saúde primárias metade “serão postas em marcha” ainda este ano, com base em “prioridades identificadas pelo terreno”. Estando previsto que estas obras, realizadas com o dinheiro do Plano de Estratégia e Resiliência, recebam aval das Finanças no primeiro semestre do ano.
Marta Temido revelou, pela primeira vez, que das cerca de cem novas unidades com costrução prometida até ao fim da legislatura 25 se situam no Norte; sete no Centro, 34 em Lisboa e Vale do Tejo, 32 no Alentejo e 6 no Algarve.
Já sobre a dotação orçamental para 2022, a governante disse que esta aumenta 6,7% em relação ao previsto para o Produto Interno Bruto (PIB). “É a continuação do esforço que se iniciou há uns anos”, disse, enumerando como grandes desafios do Serviço Nacional de Saúde a melhoria do acesso aos cuidados saúde (que tem como solução a subida do número de utentes com equipa de saúde familiar atribuída, promessa que Temido admitiu “estar longe dos objetivos” traçados e “pior do que em 2015”, quando António Costa se tornou primeiro-ministro) e das condições de trabalho dos profissionais de saúde, “um problema complexo e que exige respostas combinadas”.