O futuro Conselho de Ministros terá 18 governantes, se contarmos com o primeiro-ministro António Costa. Entre sobreviventes e trocas de cadeiras, dez novos rostos marcarão presença, pela primeira vez, nas reuniões semanais do Palácio da Ajuda. E se Duarte Cordeiro, João Costa e Catarina Sarmento e Castro já estão ambientados, por transitarem como secretários de estado do Executivo anterior, há também quem nunca tenha feito política, como a cientista Elvira Fortunato. Conheça o perfil e a missão dos novos ministros.
Fernando Medina e a arte de transformar uma derrota numa vitória
Ministro das Finanças
Quando em setembro do ano passado perdeu a Câmara de Lisboa para o social democrata Carlos Moedas, contra todas as expetativas, o futuro político de Fernando Medina – que substituiu António Costa na autarquia lisboeta quando o último se tornou primeiro-ministro (em abril de 2015) – tremeu. Mas, afinal, o chumbo do Orçamento do Estado para 2022 e o consequente agendamento de eleições antecipadas pôs fim à incógnita sobre o que se segue para Medina, 49 anos.
Licenciado em Economia pela Universidade do Porto e com um mestrado em Sociologia Económica no ISEG, Medina é um dos delfins do primeiro-ministro e apontado como possível sucessor de Costa. Já esteve no Governo de José Sócrates como secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional; secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia e foi o número dois de António Costa, durante o tempo em que este foi autarca de Lisboa, até o substituir como presidente. O final do seu mandato na Câmara ficou marcado pelo caso Russiagate relacionado com a partilha de dados pessoais de ativistas com embaixadas de outros países, nomeadamente, a Rússia, Israel, Angola, China e Irão.
Fernando Medina vai ocupar o cargo deixado por João Leão e tem pela frente o desafio de voltar a reduzir a dívida pública e pôr o país a crescer, num contexto ainda de pandemia e de guerra na Ucrânia.
Ana Catarina Mendes, 27 anos depois…
Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares
Figura incontornável do PS, Ana Catarina Mendes, 49 anos, chega, finalmente, ao Governo – assumindo o cargo de ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares –, depois de 27 anos como deputada (eleita sucessivamente pelo círculo de Setúbal).
É, aliás, no partido que Ana Catarina Mendes cumpre toda a sua carreira política. Começou na Juventude Socialista (JS), chegando a ambicionar a liderança daquela estrutura, nas eleições de 2000, acabando por perder a corrida interna para Jamila Madeira… por apenas um voto.
Nascida em Lisboa, em 1973, é licenciada em Direito pela Universidade de Lisboa. Advogada, foi galgando degraus, com o passar dos anos, no interior do PS, assumindo cargos dirigentes no partido, até chegar à liderança da bancada parlamentar socialista desde 2019 – substituindo, na altura, Carlos César.
Foi presidente da Federação Distrital de Setúbal e deputada municipal em Almada, entre 1993 e 1997. Entre 2016 e 2019, foi secretária-geral adjunta do PS. Em 2015, pertenceu, com António Costa e Carlos César, à equipa que negociou o acordo parlamentar à esquerda dos socialistas com BE, PCP e PEV, que ficaria conhecido como “geringonça”.
Considerada uma das potenciais sucessoras de Costa na liderança do partido, participa, todos os domingos, no programa de comentário político Circulatura do Quadrado, na TVI e TSF, com José Pacheco Pereira e António Lobo Xavier.
José Luís Carneiro numa pasta que “queima” ministros
Ministro da Administração Interna
Dois anos e meio depois de ter deixado de ser secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro regressa ao Governo PS para assumir uma das pastas vistas como das mais problemáticas, já que dois dos seus antecessores capitularam durante a sua passagem pelo Ministério da Administração Interna (MAI) – Constança Urbano de Sousa demitiu-se com os fogos trágicos de 2017 e Eduardo Cabrita saiu na sequência de sucessivas polémicas, que culminaram com o seu envolvimento no caso de atropelamento na A6.
Desde a gestão das forças de segurança até à segurança rodoviária, passando pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteira – a polícia da imigração, que Cabrita deixou num processo de extinção e ao qual não foi dado seguimento nas mãos de Francisca Van Dunem – e a Proteção Civil, não faltam muitos desafios que obrigarão Carneiro a fazer o caminho das pedras. Sendo que, perante um ano de seca, com os recordes de incêndios e área ardida desde o início do ano, o até agora secretário-geral adjunto do PS vai ter pouco tempo para gerir os meios de modo a evitar cenários como aqueles que ditaram o afastamento de Urbano de Sousa.
Aos 50 anos, esta é sem dúvida a prova de fogo de um percurso político que José Luís Carneiro começou a percorrer no final dos anos de 1990, como autarca em Baião. Durante um ano, de 1999 a 2000, foi assessor do gabinete do secretário de Estado adjunto do MAI. Mais tarde, em fevereiro de 2005, foi eleito deputado à Assembleia da República, de onde saiu em outubro desse ano para se tornar presidente da Câmara de Baião – lugar que ocupou até 2013.
Enquanto líder da Federação Distrital do PS/Porto foi um dos críticos de António Costa, na contenda interna que levou às Primárias em 2014, mantendo-se ao lado de António José Seguro. Mas acabou por ser o líder socialista a dar-lhe depois um lugar no Governo da Gerigonça, logo em 2015, mostrando que havia esquecido o passado. E a verdade é que, em outubro de 2019, foi também a Carneiro que Costa entregou a gestão do partido, ao escolhê-lo para secretário-geral adjunto.
António Costa Silva, “pai” do PRR recebe (novo) voto de confiança do PM
Ministro da Economia e do Mar
António Costa e Silva chegou a ser designado como “paraministro” pela oposição, depois de António Costa lhe ter depositado total confiança para desenhar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Menos de dois anos depois, o empresário assume a pasta da Economia e do Mar.
Nascido em Angola, em 1952, Costa e Silva destacou-se como apoiante da independência daquele País, não evitando, porém, as pedras no caminho. Próximo do MPLA, chegou a ser preso na sequência das purgas de 1977.
Como empresário e gestor, o substituto de Pedro Siza Vieira faria carreira no setor do petróleo – conquistando nome a nível internacional. Em 1980, começou a sua carreira profissional na angolana Sonangol. Entre 1984 e 1997, trabalhou na Companhia Portuguesa de Serviços e, de 1998 a 2001, foi diretor executivo da multinacional francesa CGG. Nos dois anos seguintes, exerceu funções no Instituto Francês do Petróleo, em Paris. Entre 2004 e 2021, foi presidente da comissão executiva da Partex, petrolífera que, em 2019, a Fundação Gulbenkian vendeu a uma empresa tailandesa.
É ainda professor agregado no Instituto Superior Técnico.
Helena Carreiras, a socióloga que é a primeira mulher a assumir a pasta da Defesa
Ministra da Defesa
Por fim, uma mulher. Helena Carreiras assume a pasta da Defesa, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo no Portugal democrático – e quebrando, assim, uma tradição masculina associada à função. Outra novidade: é socióloga, com vasta obra publicada.
Carreiras nasceu em Portalegre, em 1965, e licenciou-se em 1987 pelo ISCTE. Em 2004, doutorou-se em Ciências Sociais e Políticas pelo Instituto Universitário Europeu de Florença. É professora associada no ISCTE, nas áreas da Sociologia, Políticas Públicas e Metodologia de Pesquisa Social e investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL).
Autora de 14 livros, 48 capítulos de livro e 27 artigos em revistas especializadas, a sua investigação académica tem incidido em temas como género e sociedade, a integração das mulheres no meio militar, as relações entre a sociedade civil e as Forças Armadas ou as políticas públicas de segurança e Defesa.
Do currículo, contam-se as funções como presidente da European Research Group on Military and Society, entre 2017 e 2019, e membro do Conselho do Ensino Superior Militar, de 2011 a 2012.
Atualmente, era membro do Conselho Geral do Instituto Universitário Militar (desde 2017) e diretora do Instituto de Defesa Nacional (IDN), desde 2019, altura em que se tornou… a primeira mulher a ocupar aquele cargo.
Pedro Adão e Silva, do comentário televisivo à Cultura
Ministro da Cultura
Se por ter sido o nome escolhido para liderar a unidade de missão das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, há oito meses, já causou enorme admiração, o facto de ter sido a aposta de Costa para suceder a Graça Fonseca na pasta da Cultura não causou menos surpresa, já que André Moz Caldas e Joana Cardoso eram vistos como os potenciais sucessores da ministra neste novo executivo.
Sem qualquer percurso conhecido na área, que é há muito a parente pobre dos Orçamentos do Estado, este especialista em políticas públicas e sociais notabilizou-se pela carreira de comentador que político, quer desportivo, que iniciou, há quase duas décadas, na antiga RTPN – antecessora da RTP3 -, Rádio Clube Português e Diário Económico. Benfiquista assumido e seguido no Twitter por quase 45 mil pessoas, correu ao lugar de vice-presidente do Clube da Luz na lista derrotada de Noronha Lopes, que se batia contra Luís Filipe Vieira.
Nascido em 1974 e pai de dois rapazes, tornou-se militante socialista logo aos 18 anos, alcançando o Secretariado Nacional de Ferro Rodrigues, em 2002. Saiu depois, para voltar mais tarde a colaborar com o PS de José Sócrates, em 2009, ao elaborar a moção que o então líder levaria ao congresso.
Como académico, as políticas sociais são o seu forte, tendo colaborado com o então ministro do Trabalho, Paulo Pedroso, no segundo Governo de Guterres. Mas nunca se pronunciou sobre qualquer estratégia para o setor que agora vai tutelar, cujos profissionais foram dos mais atingidos social e economicamente pela pandemia.
Elvira Fortunato, a cientista que tem uma barbie e deu voz a um desenho animado
Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Representa a promessa de Costa para abraçar independentes, nomes improváveis mas com destaque nas suas áreas de ação. Elvira Fortunato foi uma das grandes surpresas do elenco do próximo Executivo. Prémio Pessoa em 2020, é uma das investigadoras portuguesas mais reconhecidas internacionalmente e até então não se lhe conhecia apetência para a política.
Professora catedrática, vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa desde 2017 e coordenadora do Laboratório Associado Instituto de Nanomateriais, Nanofabricação e Nanomodelação, é natural de Almada, onde ainda vive, e tem 57 anos. Especializou-se em Microeletrónica e Optoeletrónica, e uma das suas invenções com maior destaque foi o transistor de papel (que permite utilizar papel como um material eletrónico). Esta descoberta, que fez com o marido, Rodrigo Martins, em 2008, valeu-lhe uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação no valor de 2,25 milhões de euros. E, dez anos depois, recebeu outra de 3,5 milhões – o maior montante alguma vez dado a um investigador em Portugal.
Os dedos das mãos não chegam para contar os prémios e as distinções que conquistou só na última década: foram cerca de 20 e incluem a Medalha Blaise Pascal da Academia Europeia de Ciências (2016), o Prémio Estreito de Magalhães do Governo do Chile (2020), o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (2010), o Prémio Pessoa (2020), a Medalha de Ouro da Ordem dos Engenheiros (2021). É autora ou coautora de mais de 900 artigos científicos e de 50 livros, mas Elvira Fortunato não se ficou pela escrita. Já chegou ao grande ecrã: dá voz à personagem Marlene Starr, uma das mais bem-sucedidas cientistas do mundo, na versão portuguesa do filme de animação “Um Susto de Família 2”, em exibição. E é ainda um dos “rostos” das bonecas Barbie, uma iniciativa para mostrar às meninas que a ciência também se faz no feminino.
Os promovidos
Já integravam o Governo, mas ganham relevância nesta legislatura como minstros.
Duarte Cordeiro, o negociador implacável
Ministro do Ambiente e Ação Climática
É um dos indispensáveis de António Costa. Discreto e até há pouco tempo colado à sombra do ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, colega, amigo e com uma visão semelhante para um PS, mais encostada à ala esquerda, Duarte Cordeiro revelou-se nas negociações da “Geringonça 2.0”, que herdou precisamente de Pedro Nuno Santos. O “jovem turco” (como são conhecidos os socialistas do grupo que se distingue pelo seu posicionamento ideológico reconhecidamente mais à esquerda), de 42 anos, é um diplomata, um homem de consensos, descrevem todos quantos se sentaram à mesa com ele nas negociações entre o PS, o PCP e o BE ou que estiveram ao seu lado nas inúmeras campanhas socialistas da última década, que Cordeiro ou dirigiu ou ajudou a construir.
Diretor de campanha do PS nas últimas Legislativas, é visto como o obreiro da maioria absoluta e recebeu rasgados elogios de António Costa por isso mesmo. Era, portanto, esperado que o até então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares ganhasse protagonismo neste novo Executivo e recebesse, pela primeira vez, uma pasta com destaque, como é a do Ambiente, tal como a VISÃO avançou na edição de 17 de fevereiro. Apesar de não figurar entre os favoritos para suceder a Costa na liderança do PS é, segundo alguns históricos socialistas, como Manuel Alegre – que o escolheu para dirigir a sua campanha às presidenciais de 2011 – uma das melhores apostas do partido. “Faz um trabalho de grande qualidade; aprende muito rápido. É sensato, inteligente e não perde tempo com demasiadas elaborações metafísicas”, disse Alegre, à VISÃO.
Filho de dois gestores, católico, sportinguista, licenciou-se em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa e teve o seu primeiro trabalho no departamento de vendas da Reckitt Benckiserr, uma multinacional de produtos de higiene. No PS, começou na Juventude Socialista, tendo sido secretário-geral desta entre 2008 e 2010. Foi vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa (2015-2019), durante o mandato de Medina e é ainda presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS.
Catarina Sarmento e Castro, de “chumbada” no Parlamento a ministra
Ministra da Justiça
Filha de Osvaldo de Castro, histórico deputado do PS (falecido em 2013), Catarina Sarmento e Castro figurou, em destaque, nas primeiras páginas, em 2009, quando viu o seu nome, proposto por PS e PSD para Juíza Conselheira do Tribunal Constitucional, ser chumbado pela Assembleia da República – naquela que foi primeira vez em democracia que o Parlamento recusou uma escolha dos dois maiores partidos nacionais para aquele tribunal.
Chegaria ao Palácio Ratton à segunda tentativa, já no início de 2010, cumprindo o mandato de nove, antes de rumar à política – assumindo, no governo anterior, o cargo de secretária de Estado de Recursos Humanos e Antigos Combatentes, mandato que ficou marcado pela aprovação do Estatuto do Antigo Combatente, no ano passado.
A nova ministra da Justiça, 51 anos, é natural de Coimbra, cidade onde viveu e estudou. Doutorada pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, é precisamente nessa instituição que leciona desde 1994, tendo já dado aulas em áreas como direito constitucional, direito administrativo e administrativo da polícia, direito das novas tecnologias, incluindo administração eletrónica, e proteção de dados pessoais.
Do currículo da sucessora de Francisca Van Dunem, destaca-se ainda ter sido membro do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e vogal da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
João Costa, à terceira foi de vez
Ministro da Educação
Era tido como uma espécie de ministro-sombra de Tiago Brandão Rodrigues, e desde 2015 que se mantinha como secretário de Estado na área da Educação, altura em que deixou a direção da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa para ir para o Governo. Foi, finalmente, promovido e substitui o recordista no cargo – Tiago Brandão Rodrigues, que ocupou a cadeira durante seis anos e quatro meses.
João Costa, 49 anos, é formado em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e doutorou-se na mesma área, em Leiden, na Holanda. Foi professor catedrático; investigou nas áreas da Linguística Formal, Aquisição e Desenvolvimento de Linguagem e Linguística Educacional e lecionou no Brasil, em Macau, Espanha, Holanda e Itália. Foi também presidente do Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades da Fundação para a Ciência e Tecnologia e presidente da Associação Portuguesa de Linguística; membro do Conselho Científico do Plano Nacional de Leitura, da Comissão Nacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa e do Conselho Consultivo do Instituto Camões.
Na última legislatura, foi uma das principais vozes na defesa da polémica disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, depois de dois alunos terem chumbado por não frequentarem aquelas aulas. Já nos próximos quatro anos, enfrentará os desafios da recuperação das aprendizagens que ficaram por fazer durante a pandemia, a revisão do regime de recrutamento e mobilidade de docentes e o agravamento do problema da falta de professores.