O PSD foi o “bombo” da festa e o líder saiu com o aval que queria. Nem tudo foi pacífico, mas André Ventura já vê um partido mais “maduro” e “civilizado” para enfrentar o desafio mais imediato. Será mesmo assim, a caminho das legislativas? Um balanço do IV Congresso do Chega, em Viseu.
Um “enorme salto de maturidade”?
Parecem já longínquos os tempos em que o Chega era palco de uma guerra civil permanente entre fações, cujo ponto de ebulição ocorreu na convenção de Évora, no ano passado. Para André Ventura, o congresso deste fim de semana em Viseu foi “o melhor de todos” pelo exemplo dado. Embora tenha reconhecido a existência de momentos tensos, destacou “o enorme salto de maturidade” dos militantes e dirigentes. “Mostrámos que somos civilizados, soubemos discutir sem lavar roupa suja”, reforçou. A narrativa – mais ou menos maquilhada consoante as opiniões – vem fazendo o seu caminho, tendo em conta a ideia de apresentar ao País uma versão do Chega mais adequada à necessidade de parecer um parceiro respeitável, por muito que o líder continue a insistir na ideia de que o partido não se vai moderar. “Estamos finalmente a caminho da civilização”, comentava, sorridente, um dirigente do núcleo duro de Ventura, numa pausa do congresso. A direção de Ventura e os órgãos por ele apoiados foram eleitos com mais de 85 por cento dos votos. No seu discurso de tomada de posse do cargo de presidente do Conselho de Jurisdição, Rodrigo Taxa não se conteve e prometeu “ir atrás” de todos aqueles que se opuserem à direção nacional.
PSD e Chega: o difícil é sentá-los?
Embora alguns dirigentes defendam que não deve existir sequer conversa com o PSD, como é o caso de Diogo Pacheco de Amorim, ficou claro que a sensibilidade da maioria dos delegados se inclinava para uma vitória de Rui Rio. Ora porque foi sob a direção dele que se fez o acordo dos Açores, mas também por se acreditar que, se Rio ganhar as legislativas, será mais fácil estabelecer pontes com os sociais-democratas. O reconduzido líder “laranja” já negou a possibilidade de o Chega integrar um governo do PSD. Ventura picou-o ainda mais dizendo que a vitória dele foi a felicidade de António Costa e piscou o olho a voto dos militantes do PSD que estejam descontentes com a derrota de Paulo Rangel. Afastada a hipótese de haver governantes do Chega num governo de Rio, coloca-se no horizonte o suporte de Ventura a uma “geringonça” parlamentar de direita. Um tabu para desmontar, mas primeiro é preciso pesar PSD e Chega nas urnas. Para já, o líder garante: “Não vamos negociar, não vamos dialogar. Vamos impor a força do Chega ao País”.
José Pacheco, o “herói” açoriano
O deputado único do Chega nos Açores entrou no congresso em apoteose e em apoteose saiu. Nem sequer faltou a bandeira da região autónoma para dar colorido ao momento. Ventura premiou José Pacheco com uma vice-presidência – a única alteração na direção – pela forma como geriu o tenso dossiê da governabilidade de direita no arquipélago. Se o líder ferveu em pouca água, ameaçando romper o acordo, Pacheco preferiu fazer o trabalho de formiguinha junto do líder regional, José Manuel Bolieiro, e reforçar o compromisso, de papel assinado e tudo. “Eu quero mais, vocês querem mais, mas um dia de cada vez”, justificou o deputado, perante os congressistas. José Pacheco considera que aquilo que foi conquistado nos Açores pode ser um exemplo para eventuais negociações nacionais tendo em vista o suporte parlamentar a um Governo PSD.
Nomes para um programa
Gabriel Mithá Ribeiro admite que a antecipação das legislativas para 30 de janeiro complicou a elaboração de um programa eleitoral mais sustentado. Contudo, o vice-presidente garante que a versão que chegará aos cidadãos será muito concreta. “O Chega tem um programa que está fresco, com um conjunto de princípios que ainda está a ser consolidado nas dinâmicas internas. Somos um partido em construção e, como há áreas onde ainda não temos a consolidação que desejamos, não apresentaremos coisas a despachar” assumiu à VISÃO o também responsável pelo gabinete de estudos. Uma das áreas em falta é o Ambiente, mas, no geral, o partido já tem contributos dos vários coordenadores e deverá apresentar um rascunho do programa eleitoral dentro de uma semana, para que André Ventura e Diogo Pacheco de Amorim componham a versão final. Pedro Arroja (Economia), Joaquim de Carvalho (Agricultura/Mundo Rural), Gabriel Mithá Ribeiro (Ensino/Educação/Minorias), Pedro Borges de Lemos (Justiça), Jerónimo Fernandes (Saúde/Segurança Social), Rita Matias (Juventude) e Jorge dos Santos Pereira (Defesa) são os coordenadores. “Na Segurança temos também um coordenador muito forte, mas o próprio, para evitar consequências profissionais, pediu reserva”, assumiu Gabriel Mithá Ribeiro.
Dos ovários às contas: o regresso de Rui Roque
Na convenção de Évora, em setembro do ano passado, o algarvio Rui Roque (ex-partido Aliança) foi autor de uma moção que lhe valeu os holofotes, pelas piores razões: na moção que então apresentou, em conjunto com outros militantes, propunha que fossem extraídos os ovários às mulheres que recorressem ao SNS para abortar. Os delegados chumbaram a proposta, a direção, aparentemente, indignou-se, e o próprio Ventura anunciou a suspensão daquele militante “com vista à sua consequente expulsão”. Ora, Rui Roque não só não foi expulso, como integra agora os órgãos nacionais do partido, tendo sido eleito em Viseu para o conselho nacional numa lista encabeçada por Monica Lopes (Braga) à margem da candidatura apoiada pela direção. “O partido está mais maduro, mais aberto a uma maior amplitude de ideias e sensibilidades”, admite Rui Roque, que agora se propõe fiscalizar a transparência das contas do partido no conselho nacional, pois, justifica, “é importante dar essa imagem de seriedade ao País”. Se fosse hoje, admite, teria redigido de forma diferente a passagem sobre a extração de ovários: “Não me exprimi da melhor forma”, assume, embora mantenha aquilo que considera “a defesa das jovens crianças” e a condenação “desse crime hediondo que é o aborto”. Rui Roque revê-se num “líder forte” como Ventura, considera que o partido está “mais institucional, mais respeitador das pessoas com um pensamento diferente” e menos dado ao protesto. “Em Évora, ainda havia muito ódio, muita crítica primária e muitos ataques nas redes sociais”. Ainda assim, admite haver “democracia interna a mais”. Embora pertença “a uma área bem mais radical de direita”, Roque sente-se, pois, “confortável” no Chega atual, identificando-se com a agenda política que “mantém uma matriz cristã e patriota, que defende as forças militares e de segurança”.
A fenda no conselho nacional
Rui Roque foi eleito na lista B ao conselho nacional, onde se incluem, entre outros, Joaquim Chilrito (um dos históricos do partido) e Nelson Dias da Silva (ex-secretário da Mesa da Convenção Nacional). A candidatura conseguiu eleger 17 elementos, contra 53 da candidatura oficial, ou seja, 22 por cento dos 489 votantes estão conotados com a oposição interna, uma fenda na muralha de Ventura. Ou seja, quando o voto foi secreto – ao contrário do voto de braço no ar praticado durante o congresso – a crítica interna fez sentir o seu peso. A candidata da lista B foi aplaudida, assobiada e apupada quando subiu ao púlpito, no final do congresso: “Vamos olhar sempre os princípios que fundaram este partido”, afirmou Mónica Lopes, novamente debaixo de aplausos e apupos.
Fascistas, nós?!
Vários congressistas rejeitam de forma contundente a ideia de que o Chega seja um partido extremista ou fascista, embora outros delegados e oradores tenham salientado certas virtudes de antigamente, entre eles o economista Pedro Arroja, que elogiou o Portugal de 1972, quando “a economia cresceu 11 por cento”. Para o antigo embaixador António Tânger, o Chega de hoje “é o CDS de 74, 75 e 76”, ou seja, congrega “os verdadeiros herdeiros da AD”. Rodrigo Taxa, presidente do Conselho de Jurisdição, acrescentou: “Nunca seremos extrema qualquer coisa, o que somos é de extrema necessidade”. Traduzindo: “Nós representamos tudo o que de bom existe no nosso País”, garantiu Bruno Nunes, vereador em Loures e membro da comissão autárquica. O delegado Sérgio Carvalho não discordou, mas, na dúvida, propôs que os candidatos do partido passassem, entre outras coisas, a apresentar “um currículo verdadeiro”, uma certidão da situação fiscal regularizada e o cadastro limpo.
Durante o congresso, foram defendidas medidas como a prisão perpétua, o fim “da sopa dos pobres do RSI”, o combate ao “multiculturalismo”, à “imigração ilegal” e à “agenda progressista das esquerdas” na escola. E não faltaram delegados a defender a trilogia Deus, Pátria (ou a variante Nação) e Família. “Não é ser fascista, é ser português de bem”, assinalou o vice-presidente Pedro Frazão. No discurso de encerramento, Ventura assumiu, mostrando o terço, que Deus, a Pátria e a Família continuarão no discurso público do Chega.
A porta da rua…e a democracia interna
Rodrigo Taxa, Rui Paulo Sousa e outros dirigentes nacionais foram dos mais assanhados contra os críticos e aqueles que, supostamente escondidos “atrás de perfis falsos”, minam a unidade do partido. “Porta da rua, serventia de casa”, ouviu-se, uma e outra vez, desafiando os adversários assumidos ou camuflados da direção a abandonarem o Chega. O presidente da Comissão de Ética foi ainda mais longe: “Muitos deles estão aqui, com sorrisos, falinhas mansas, palmadinhas nas costas” afirmou Rui Paulo Sousa. “Rua daqui para fora!”, desafiou. Vários congressistas, sobretudo do Porto e Setúbal, criticaram o clima de “perseguição” e berraram contra “a mafia”, o “nepotismo e os amiguismos” na direção. Uma das recomendações à mesa chegou a ser classificada como algo de que “até o PCP e o BE” teriam vergonha. “Eventuais vícios não podem ser corrigidos diminuindo a democracia interna”, reforçou Hugo Morgado, de Leiria.
Miguel Carvalho, candidato à Câmara da Régua nas autárquicas, entregou mesmo o cartão de militante. Para nunca mais voltar. “O partido está descontrolado”, assume. “Não podemos advogar seriedade, combate à impunidade, ao amiguismo e nepotismo e…manobrar tudo da mesma forma! É um partido igual aos outros com a única exceção de ter um líder com o dom da palavra, excelente na oratória e debate. Para isso vou ao cinema!”, ironiza. De resto, o próprio André Ventura defende a adoção de medidas disciplinares duras. A crítica, disse, é bem-vinda. “Outra coisa é atacar as famílias e expor a vida pessoal. Isso não é possível”.
Observadores “ilustres”
Normalmente não merecem grande referência nos congressos. Mas a VISÃO encontrou duas exceções. Uma delas foi Paulo Ralha, antigo líder dos Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), amigo de André Ventura e que, em 2019, abandonou o PS. O ex-dirigente sindical, que denunciou a famosa “Lista VIP” dos impostos, fui contemporâneo do líder do Chega na Autoridade Tributária. Convidado pelo próprio presidente do partido a assistir à reunião-magna e ambientar-se, Paulo Ralha está a conhecer o Chega, a ler documentação relacionada com os seus princípios e propostas, e, embora recusando prestar declarações, não nega a possibilidade de aderir ao partido.
Quanto a Francisco Pereira, ex-cabeça de lista do PNR em Braga nas legislativas de 2019, já é militante desde setembro. Nacionalista, católico e conservador, ainda veio a este congresso como observador e, para já, não pretende mais do que ser militante de base em Santo Tirso.
Citações e frases para não recordar Para além de Deus e Jesus Cristo, Francisco Sá Carneiro foi a figura mais citada no congresso do Chega e houve mesmo quem comparasse Ventura ao fundador do PSD. Aliás, ele próprio se comparou indiretamente ao malogrado primeiro-ministro. “Sá Carneiro teria orgulho no que aconteceu aqui”, afirmou, no final, prometendo encontrar os culpados pela morte da maior referência dos sociais-democratas. Adelino Amaro da Costa (CDS) também veio à baila, tal como o Padre António Vieira, Dom Afonso Henriques, Péricles, Camões, o compositor Gustav Mahler ou o Papa Bento VI. Das frases que dificilmente serão lembradas por boas razões a do secretário-geral Tiago Sousa Dias – “respondo a todas as perguntas que me façam em português, em grunhês não!” – talvez esteja no topo. Mas uma de Rodrigo Taxa deve andar perto: “Ainda não tenho filhos, mas também não tenho paciência para aturar criancices”.