Os pecados do “mundo profano” (como se designa, no interior da maçonaria, a vida fora dela) abalaram a discrição e sobriedade com que, regra geral, se apresentam ao exterior os membros do Grande Oriente Lusitano (GOL), a mais antiga obediência da maçonaria portuguesa. A segunda volta das eleições para grão-mestre, que acontece este sábado, decide quem, entre Fernando Cabecinha e Carlos Vasconcelos, sucede a Fernando Lima Valada (no cargo desde 2011), mas continua manchada pela polémica.
O caso que marcou o ato eleitoral surgiu quando José Paupério Fernandes, um maçon do Porto, distribuiu, pelos “irmãos”, um e-mail onde alegava que, em 2011, havia contratado os serviços de Fernando Cabecinha no âmbito de uma candidatura a um apoio do IAPMEI, pagou-lhe em dinheiro e que, por isso, acabaria, no passado 5 de julho, por ser constituído arguido por fraude fiscal, acusado de emitir uma fatura simulada. Na mensagem, Paupério Fernandes acrescentava ainda que, no âmbito deste acordo, assumira voluntariamente, no passado, o pagamento de 16.709 euros em sede de IRS, mas que isso não terá sido suficiente para travar o processo em curso na Justiça. O maçon exige, agora, que Fernando Cabecinha assuma a existência desta versão, mas este nega-a.
O episódio levou Fernando Cabecinha a reagir formalmente, iniciando-se, então, uma troca de palavras mais azedas entre candidatos a grão-mestre. Cabecinha diz-se alvo de um ataque “vil” e “soez”, que correlacionou com o próprio ato eleitoral. “Como os resultados das eleições do passado dia 30 de Outubro do corrente ano demonstraram [Cabecinha venceu a primeira volta], os objetivos não conseguiram atingir os resultados pretendidos”, escreveu, em comunicado, distribuído no GOL, a que a VISÃO teve acesso. Carlos Vasconcelos, atual vice-grão-mestre, não gostou do tom e, também através de uma nota interna, lamentou o que classificou como “estratégia de vitimização” do adversário, considerando que este “não dá resposta” às questões colocadas, preferindo “formular insinuações inadmissíveis, com o objetivo de levar os obreiros do GOL a retirarem conclusões que para si seriam mais convenientes”.
À VISÃO, Fernando Cabecinha – apontado internamente como principal favorito à vitória nestas eleições – confirmou que pretende apresentar uma queixa-crime por difamação contra José Paupério Fernandes. Ainda assim, na passada terça-feira, o maçon nortenho voltou a insistir nas acusações.
“Proximidade das eleições” impõe silêncio
Numa nova mensagem eletrónica, a que a VISÃO teve acesso, José Paupério Fernandes (que assina os documentos como Garibaldi, o seu nome simbólico maçónico) insiste no que considera ser o “comportamento desonroso” de Fernando Cabecinha. “Não posso ser indiferente ao risco de ver alguém ganancioso, dissimulado e sem caráter vir a ser eleito grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, e assim vejo-me obrigado a descrever a situação que se arrasta desde 17 de Fevereiro de 2011 com graves prejuízos para mim e a minha família”, escreveu, lamentando que o assunto tenha ultrapassado as fronteiras da maçonaria, e chega à comunicação social, levando a que o GOL fosse “arrastado pela lama”.
Contactados pela VISÃO, os protagonistas não quiseram, neste momento, prestar declarações, justificando o silêncio “com a proximidade do ato eleitoral”. Fernando Cabecinha sublinha, apenas, que as acusações de que tem sido alvo são “falsidades”, remetendo mais reações para depois do próximo fim-de-semana. Já Carlos Vasconcelos, apenas refere o “desejo de que o ato eleitoral decorra com ampla participação e de forma pacífica”. Fernando Lima Valada, atual grão-mestre, também contactado, escusou-se a fazer comentários sobre a polémica, destacando tratar-se de um assunto “pessoal, que nada tem a ver com o GOL”. “As eleições têm decorrido com serenidade e respeito. E é isso que desejo até ao fim”, disse.
A segunda volta das eleições para grão-mestre do GOL decorre este sábado, com as urnas a abrirem logo a partir das 00h00 em algumas lojas. São chamados a votar cerca de 1800 maçons, que integram os cadernos eleitorais – e que podem exercer a sua escolha desde que possuam o grau de Mestre há, pelo menos, três anos (os dois graus anteriores são Aprendiz e Companheiro) e tenham as quotas em dia. O gestor Fernando Cabecinha, 67 anos, e o advogado Carlos Vasconcelos, 43 anos, concorrem ao lugar nesta reta final, já depois de o candidato Luís Parreirão, ex-secretário de Estado dos governos de António Guterres, ter ficado pelo caminho na primeira volta.