É oficial. O Orçamento do Estado (OE) para 2022, proposto pelo Governo, foi chumbado, ao pôr-do-Sol desta quarta-feira, na Assembleia da República, depois de, pela primeira vez em seis anos de propostas orçamentais, os votos desfavoráveis dos deputados do Bloco de Esquerda, PCP e Verdes se terem somado aos das bancadas à direita (PSD, CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal). No total, 108 votos a favor, 117 contra e as abstenções dos três deputados do PAN e das duas deputadas não inscritas, Joacine Katar-Moreira e Cristina Rodrigues.
Com o chumbo da proposta orçamental, Marcelo Rebelo de Sousa, deve, tal como anunciou, avançar para a dissolução do Parlamento. Ainda na noite desta quarta-feira, o Presidente da República vai receber o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e o primeiro-ministro, António Costa. Nos próximos dias, seguem-se audições com os restantes líderes partidários.
A dissolução deve acontecer após o Conselho do Estado, marcado para 3 de novembro, ficando depois Belém com 55 dias para agendar uma data para as eleições legislativas antecipadas – que devem acontecer entre janeiro e fevereiro do próximo ano.
Esquerda justifica chumbo com “falta de respostas para os problemas do País”
A “chave” da governabilidade do Governo PS manteve-se, desde 2015, nas mãos das bancadas do Bloco de Esquerda, PCP e Verdes. Esta quarta-feira, no entanto, a esquerda uniu-se nas críticas às políticas do Executivo liderado por António Costa, considerando que a proposta do OE2022 demonstra, no essencial, “falta de repostas para os problemas do País”.
No encerramento do debate do documento na generalidade, Catarina Martins afirmou que “o Governo passou dois dias a repetir que o Orçamento era o mais à esquerda de sempre”, mas considerando que essas declarações não passaram de frases “ocas”. “Preferimos soluções a promessas”, esclareceu a coordenadora do Bloco, explicando que a prioridade do partido são “as pessoas que não são números”. Pelo lado do PCP, João Oliveira, por seu turno, sublinhou que com esta proposta orçamental os problemas do País “continuam por resolver” e admitiu que foi “a falta de respostas” a pesar no destino da votação. “Os trabalhadores e o povo português têm de perceber que existem respostas e soluções e o PCP bate-se por elas”, disse.
Rui Rio: estratégia do Governo “tinha de dar mau resultado”
Num espírito de euforia – visível e audível entre as fileiras do PSD (e restante direita) –, Rui Rio começou a sua intervenção recordando que, do seu ponto de vista, o Governo apenas se manteve em funções, desde 2015, graças à “compra dos votos do PCP e do Bloco de Esquerda e a manutenção dos compromissos europeus”. O líder da oposição acusou o Executivo de António Costa de ter “apenas a preocupação conjuntural de, em cada ano, conseguir a aprovação dos Orçamentos de forma totalmente avulsa”, o que era algo que “tinha de dar mau resultado”.
“Estamos a pagar erros políticos do PS, que, desde 2015, ultrapassou as linhas vermelhas que Mário Soares sempre traçou e respeitou”, afirmou Rio, alertando para um cenário de crise política que, sublinha, é responsabilidade da esquerda. “O Presidente da República avisou que o chumbo significaria eleições antecipadas”, recordou, lamentando que a atual conjuntura pode até significar “perder parte do PRR”.
António Costa começa campanha
O líder socialista fechou o debate, num longo discurso, lamentando a posição dos antigos parceiros da Geringonça, mas não colocando de parte futuras soluções de governabilidade idênticas às que foram encontradas em 2015 – com Bloco de Esquerda e PCP, a que se juntou o PAN após as Legislativas de 2019. O Primeiro-ministro disse confiar que a união da esquerda parlamentar “não foi uma solução de recurso”, afirmando que “acredita que a esquerda tem potencial” para voltar a repetir convergências. “Nasci à esquerda, fui criado à esquerda e a esquerda é a minha família. Acho que pode ser muito mais a não-direita ou a mera oposição à direita. Acredito que a esquerda tem todo o potencial para construir o futuro e que não está condenada ao protesto e que pode ser o Governo equilibrado e responsável que é capaz de transformar o país”, referiu, dirigindo-se diretamente a Bloco, PCP e Verdes.
Lamentando o cenário de crise política “neste momento e nestas circunstâncias”, António Costa disse, porém, que “em democracia nunca há becos sem saída, há sempre alternativas”, sublinhando que tem esperança de que esta “vitória da direita” se possa “converter numa maioria reforçada, estável e duradoura”. Recorrendo, como na véspera, ao repertório de Jorge Palma – a banda sonora escolhida pelo chefe do Governo para o (mais que provável) genérico final da atual legislatura –, António Costa terminou o discurso voltando a entoar o mesmo refrão: “Enquanto houver ventos e mares, a gente não vai parar. Nós não vamos parar”, concluiu, debaixo dos aplausos de pé de toda a bancada socialista.
A “bola” está agora do lado de Marcelo Rebelo de Sousa.