Os protestos que, na última semana, se voltaram a fazer ouvir ao som das buzinas, no tabuleiro da Ponte 25 de Abril, recuperaram como protagonista, perante as câmaras e objetivas, Aristides Teixeira, 61 anos, presidente da Associação Democrática de Utentes da Ponte 25 de Abril, que, em 1994, se tornaria um dos rostos mais mediáticos dos protestos contra o aumento das portagens – acontecimento que a História viria a congelar na memória coletiva como o princípio do fim do Governo de Cavaco Silva.
O buzinão da passada quinta-feira recuperou os pretextos de uma outra ação, esta em 2000, que Aristides Teixeira também encabeçou, já na altura contra o aumento do preço dos combustíveis, quando António Guterres era Primeiro-ministro. “Tivemos de voltar à ponte exatamente pelas mesmas razões de há 20 anos, mas parece-me que a situação agora é ainda pior. O aumento do preço dos combustíveis está completamente descontrolado, o que é uma situação que prejudica o poder de compra das pessoas, as empresas de transportes e que, mais cedo ou mais tarde, também se vai refletir no preço dos bens essenciais. A Margem Sul tem algumas das zonas mais pobres do país, e quem cá vive continua a ter de pagar portagens para chegar diariamente a Lisboa – para ir trabalhar, estudar ou simplesmente ir ao hospital. No fundo, significa que qualquer aumento tem um impacto muitíssimo prejudicial. Com respeito pelas outras regiões do país, sinto que as pessoas que vivem nesta zona continuam a ser duplamente penalizadas”, diz, à VISÃO.
O protesto de quinta-feira acabaria marcado por um momento de tensão, quando, pelas 10h, a PSP abordou os membros da associação, reunidos na Ponte do Pragal, em Almada, ordenando-lhes que retirassem o cartaz (que apelava ao buzinão) e abandonassem “imediatamente” o local, por falta de “autorização” para realizarem uma manifestação. Aristides Teixeira lamenta a situação: “Foi um ato de limitação das liberdades individuais e de intimidação. O cartaz não apelava à desordem, tivemos o cuidado de sermos poucos para não criarmos quaisquer constrangimentos no trânsito, mas, ainda assim, os polícias quiseram expulsar-nos”. O ativista seria identificado pelas autoridades, mas o grupo acabaria por permanecer no local durante mais alguns minutos. No final, o ativista fez um balanço “muito positivo” da iniciativa. “Este buzinão permitiu perceber que as pessoas já não se limitam a ‘teclar’ os protestos, mas que são capazes de mostrar descontentamento nas ruas”, afirma. E se as coisas não mudarem nos próximos dias? “Voltaremos a protestar na ponte”, promete Aristides Teixeira.
Memórias de 1994: o início do fim do Cavaquismo
Filho de um cabo-verdiano e de uma portuguesa, Aristides Teixeira, nascido em 1960, em Lisboa, cedo encarnou o espírito “ativista” herdado pelo exemplo do pai, Eleutério Teixeira, radicado em Portugal desde os nove anos, e que se assumiria como combatente antifascista durante o Estado Novo. Na década de 1980, Aristides Teixeira tornar-se-ia um rosto conhecido do grande público, chegando a apresentar programas na RTP, dirigidos a crianças e jovens. Foi ainda ator de TV e teatro, antes de decidir abraçar uma carreira na área da produção, atrás das câmaras, onde atualmente se mantém, desempenhando funções na direção de produção da televisão pública.
O sangue inquieto que lhe corria nas veias levou-o a embrenhar-se num sem número de desafios cívicos e políticos. A notoriedade que o pequeno ecrã lhe assegurava, nas décadas de 1980 e 1990, valeu-lhe uma mão cheia de convites para representar as mais variadas cores. Depois de uma curta aproximação ao PS, decidiu, no entanto, que era o papel de independente que melhor lhe servia, para continuar a lutar pelas suas causas – em particular as questões em torno da estrutura de cimento e ferro que une as margens do Tejo, entre Lisboa e Almada. Fazendo uso desta regra, foi candidato em legislativas integrado nas listas da CDU e em autárquicas (em Almada) em listas do CDS-PP. Em 1996 e 2011, sonhou com uma candidatura às eleições Presidenciais, inspirado-se pela eleição de Barack Obama, o primeiro o Presidente dos Estados Unidos da América afro-americano. “Antes de Obama seria considerado um acto de loucura que pudesse haver o atrevimento de alguém de cor tentar ser eleito presidente da República portuguesa, mas após Obama já acho que é melhor não se considerar um ato de loucura”, disse, em 2008, em declarações publicada pelo Jornal de Notícias.
A carreira política não passaria, porém, do patamar das intenções. Para a História, Aristides Teixeira ficaria lebrado como um dos organizadores dos buzinões de 1994. Então com 34 anos, o presidente da Associação Democrática de Utentes da Ponte 25 de Abril esteve no epicentro dos protestos que, durante vários meses, se fizeram ouvir contra o aumento das portagens na Ponte 25 de Abril (na altura de 100 para 150 euros). No dia 24 de junho desse ano viveu-se o auge trágico dos protestos: ao início da manhã, seis camiões bloquearam o acesso Sul da ponte, travando a marcha dos veículos que se dirigiam para a capital – as crónicas da época falariam de filas que chegaram a Setúbal. Ao longo do dia, as autoridades tentaram negociar para desmobilizar os protestos, mas sem sucesso. O próprio Manuel Dias Loureiro, ministro da Administração Interna, chegou ao local de helicóptero para, pessoalmente, tentar, debalde, um acordo. As horas foram passando, até que, às 16h22, como contou a RTP, o batalhão especial da GNR acabou por investir contra a multidão, criando-se o caos. À noite, quando o trânsito já circulava, um novo grupo de motoqueiros tentou ainda repor o bloqueio da via, tendo como resposta novas cargas policiais. De madrugada, um jovem de Almada seria ferido com gravidade, atingido por uma bala perdida, acabando por ficar paraplégico.
Os acontecimento apanharam o então Primeiro-ministro, Cavaco Silva, fora do país – em Corfu, na Grécia, onde decorria o Conselho Europeu –, ficando Fernando Nogueira, ministro da Defesa, responsável por toda a situação. O episódio acabaria por se tornar uma mancha difícil de apagar para Governo e polícia. Pouco mais de um ano depois, a 27 de outubro de 1995, o Governo caía, pondo um ponto final na Era política que, em Portugal, ficaria para sempre conhecida como Cavaquismo.