O juiz de instrução Ivo Rosa tem pela frente uma leitura extensa. Conhecido por produzir despachos minuciosos – e já sabido que a decisão de instrução da Operação Marquês conta com cerca de 6 000 páginas – , é esperado que leve mais de uma hora o resumo que o magistrado judicial madeirense fará do documento, na sala grande do piso zero do Edifício A, no Campus da Justiça, em Lisboa, pelas 14:30 horas, desta sexta-feira. Em causa está uma importante decisão: irão os arguidos do processo (28, entre 19 pessoas e nove empresas) a julgamento ou não? E, se sim, acusados por quais e quantos crimes?
No grupo dos 28 arguidos encontra-se o antigo primeiro-ministro socialista. Está acusado de 31 crimes; entre os quais, corrupção passiva de titular de cargo político, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documento. José Sócrates é suspeito de ter recebido 34 milhões de euros em comissões ilícitas, enquanto chefiava o Governo português, e de as ter depositado em nome do seu primo José Paulo Pinto de Sousa e do seu amigo e empresário da construção civil, Carlos Santos Silva, para afastar eventuais suspeitas de si.
Segundo o Ministério Público, liderado por Rosário Teixeira, Sócrates teria recebido tais montantes, entre 2006 e 2015, em troca de favores, por exemplo, concedidos ao ex-banqueiro Ricardo Salgado – no Grupo Espírito Santo e na antiga Portugal Telecom (PT) – e ao Grupo Lena.
Esta sexta-feira, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa (mais conhecido como “Ticão”) pode seguir três caminhos: apresentar um despacho de não-pronuncia e arquivar todas as acusações contra o antigo governante; fazer com que Sócrates seja julgado pelos 31 crimes de que é acusado pelo MP ou com que seja julgado apenas por parte desses crimes.
Embora tudo o que se possa dizer até à leitura seja apenas especulativo, é provável que as acusações de fraude fiscal e branqueamento de capitais transitem para julgamento, uma vez que Ivo Rosa até aumentou o número de crimes fiscais sugeridos na acusação do MP. Já quanto ao crime de corrupção, este poderá ser mais difícil de provar de forma direta. Até porque o magistrado judicial tem tendência, com base em todos os casos que julgou anteriormente, a excluir raciocínios que extravasem as evidências cientificas. Ivo Rosa tem fama de ser híper-garantista da lei e dos direitos dos arguidos, desvalorizando as eventuais provas indiretas.
Independentemente da decisão de Rosa, é praticamente certo dizer que o Caso Marquês não se ficará por aqui. Mesmo que o juiz fizesse cair todas as acusações contra Sócrates, o que na teoria é possível, o MP iria sempre recorrer da decisão para instâncias superiores. Mediante essa contestação de Rosário Teixeira junto do Tribunal da Relação de Lisboa – onde os juízes desembargadores responsáveis por analisar o caso não têm um prazo formal para tomar uma decisão – e, perante uma vitória do MP, podemos estar a falar de mais de uma década de trâmites legais.
O jornal Observador fez as contas e refere que a Operação Marquês nunca deverá estar terminada antes de 2036, assumindo que o Tribunal da Relação levaria dois anos a pronunciar-se sobre o recurso, o julgamento nunca decorreria em menos de seis anos, dando uma margem de outros seis para recursos e não esquecendo férias judiciais.
Ao todo no processo estão em causa 189 crimes económico-financeiros. E, durante a fase de instrução, a defesa dos arguidos utilizou uma estratégia comum: apostou em inúmeros pedidos de nulidades, argumentado que o Ministério Público terá cometido alegadas ilegalidades na obtenção de provas.
Momentos chave do processo
Julho de 2013. Início da investigação, que reúne, como prova, mais de três mil documentos em papel e 13 500 milhões em formato digital.
21 de novembro de 2014. José Sócrates é detido no aeroporto de Lisboa, quando vinha de Paris. Viria a ser libertado a 16 de outubro de 2015.
27 de outubro de 2017. O Ministério Público acusa José Sócrates de 31 crimes: corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada, entre outros. Fica ainda a saber-se que há outros 27 arguidos no processo.
28 de setembro de 2018. O juiz Ivo Rosa fica encarregado de presidir à fase de instrução do processo, que até aqui estava nas mãos do outro magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal (Ticão), Carlos Alexandre. A escolha é realizada por sorteio eletrónico.
28 de janeiro de 2019. Início da fase de instrução, sendo que o debate instrutório acontece entre março e julho de 2020.
9 de abril. Vai ser conhecida a decisão instrutória, ou seja, quem são os arguidos que vão a julgamento e por que crimes.