Miguel Romão, o diretor-geral da Política da Justiça, demitiu-se esta segunda-feira, na sequência das declarações da ministra Francisca Van Dunem, que, numa entrevista à RTP no último sábado, atirou para aqueles serviços a responsabilidade pela emissão de uma carta de referência que continha lapsos no currículo do procurador José Guerra.
Ao sair, o responsável pela DGPJ, emitiu um comunicado onde frisou que Van Dunem estava a par da informação deturpada enviada para Bruxelas há mais de um ano, contrariando o que a governante assegurou. Segundo Romão, a informação “foi preparada na sequência de instruções recebidas e o seu conteúdo integral era do conhecimento do gabinete da senhora Ministra da Justiça”.
Ora, aquela declaração não chegou a estar muito tempo no site daquela entidade, sendo que apenas ao final do dia o Ministério da Justiça (MJ) veio assumir que teve mão no desfecho.
“O comunicado em causa é da autoria de um dirigente do Ministério da Justiça (DGPJ), cuja demissão, nesse momento, já fora aceite pela Ministra da Justiça, pelo que foi inserido no Portal da Justiça à margem das regras (elementares) definidas para o efeito”, referiu à VISÃO o MJ.
Miguel Romão reiterava no texto que aquela direção-geral somente agiu sob “instruções” da Tutela, em relação à informação “remetida à Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER)”.
Acrescentava ainda que, se por um lado , José Guerra foi apontado pelo Governo para procurador europeu de acordo com uma indicação do Conselho Superior do Ministério Público; por outro, apesar de a nota curricular se tratar de um erro dos serviços – para o qual não contribuiu nenhuma instrução da ministra da Justiça – teria de se demitir porque ser o responsável máximo da DGPJ. Dito isto, parecia que Miguel Romão se tinha arrependido pelo que escreveu.
Vida curta de um comunicado
O comunicado, num formato PDF obtido através de um link que conduzia para o site da Direção-Geral, chegou a alguns jornalistas logo após a nota de imprensa do Ministério da Justiça (MJ), que dava conta da aceitação do pedido de demissão de Miguel Romão. Ainda foi colocado no site daquela entidade durante o final da manhã, tendo desaparecido entretanto.
À VISÃO, o MJ começou por admitir não só desconhecer tal comunicado do diretor demissionário, como a estranheza pela sua emissão, dada a ausência de autonomia comunicacional da DGPJ, remetendo mais esclarecimentos para a mesma entidade.
Mais tarde, o ministério de Francisca Van Dunem reforçou que tal tipo de comunicação teria de passar sempre pela Tutela, ou, quanto muito, dada a conhecer, e que o site da Direção-Geral é gerido por uma empresa externa.
Já a DGPJ remeteu-se ao silêncio ao longo de cinco horas. Confrontada pela VISÃO, aquela direção-geral assumiu não ter assessoria própria e recusou confirmar a veracidade do alegado comunicado, noticiado durante toda a manhã.
Ao final da tarde, o diretor-demissionário estava reunido com a sua cúpula, de acordo com a mesma fonte da DGPJ. E o paradeiro do tal comunicado manteve-se desconhecido, ainda que o link inicial de acesso se mantenha ativo e prove que está alojado no site da entidade.
A VISÃO apurou que Van Dunem não terá apreciado o facto de Miguel Romão ter colocado no site tal nota já depois de ter estado reunido com a própria no ministério e de ser aceite a demissão pela governante.
Na origem desta polémica está a nota curricular enviada ao secretário-geral do Conselho da União Europeia, Jeppe Tranholm-Mikkelsen, noticiada na semana passada pelo Expresso e RTP, onde José Guerra aparece com um percurso profissional que não o seu e que terá servido para justificar o facto de a procuradora Ana Carla Almeida ter sido preterida pelo Governo, apesar de ser a favorita de Bruxelas.
José Guerra aparece naquela nota com a categoria profissional de procurador-geral Adjunto da República, em vez de procurador, e foi lhe atribuída a investigação do caso “UGT” sobre fraude de fundos europeus, quando apenas acompanhou o julgamento.
Já Ana Carla Almeida é uma procuradora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), especializada em fraudes com dinheiro vindo de Bruxelas, tendo nas mãos a investigação do caso “Golas Antifumo”, que levou à demissão do ex-secretário de Estado da Proteção Civil, José Neves à beira da eleições legislativas de 2019.
Costa mantém confiança e fala de caso sem importância
Já na noite desta segunda-feira, o primeiro-ministro veio garantir confiança em Francisca Van Dunem, frisando que os erros na nota curricular se tratam de “dois lapsos sem relevância” e que o o gabinete da ministra da Justiça – ao contrário do que Miguel Romão adiantou – apenas recebeu da DGPJ informação de “mero conhecimento para arquivo”.
“Os lapsos tiveram origem numa nota produzida na Direção Geral de Política de Justiça e comunicada à REPER e com mero conhecimento para arquivo ao Gabinete da Ministra da Justiça”, explica.
Costa ainda salientou que “compete ao Governo escolher os candidatos a representante de Portugal na Procuradoria Europeia”, e que o parecer do comité europeu, “que de resto não é vinculativo, não produziu qualquer fundamento ou argumento que justificasse da parte do Governo a alteração da escolha efetuada pelo Conselho Superior do Ministério Público”.
Atualizado às 22 horas com comunicado emitido pelo gabinete do primeiro-ministro