O encontro estava marcado para as 15:30 em frente à Assembleia da República, mas para Daniel Mendes, 30 anos, estar aqui a horas teve de sair de Guimarães, com mais seis colegas da restauração, às 7:00. Tem um pequeno restaurante no centro da cidade que empregava nove pessoas. Empregava. Agora emprega sete e não sabe até quando, porque não fatura há 8 meses.
Está a viver de poupanças que a cada dia encurtam. Para pagar aos empregados de mesa e cozinheiros não tira para si nada. Não discute a necessidade das medidas sanitárias. Foi para evitar o contágio do novo coronavirus que fechou o estabelecimento logo em março, ainda antes do primeiro estado de emergência. Desde essa altura, pagou 60 mil euros em impostos, mas continua sem ver dinheiro a entrar na caixa. “Não me lembro de nenhuma injustiça como esta”, diz à VISÃO com o olhar a descansar no Parlamento, onde está a ser discutido o Orçamento do Estado para 2021.
De máscara, a tentar respeitar os dois metros de distância entre uns e outros e debaixo de um céu muito cinzento que os ameaça com chuva, os manifestantes sufocam. Simbolicamente, pedem o mínimo: pão e água. São centenas entre empresários e trabalhadores da restauração, da noite, de eventos que pedem “com caráter de urgência” a redução do IVA, isenção do TSU e contestam a obrigação de fecharem as portas ao fim de semana a partir das 13:00.
Presentes estão também chefes conhecidos, sendo um dos rostos do movimento “A Pão e Água” o cozinheiro Ljubomir Stanisic, que rejeitou uma reunião com a Presidência da República esta quarta feira por não querer colocar em causa a sua presença no protesto. “Parece que somos poucos, mas somos muitos”, garante ao microfone. E deixa a promessa: “Vamos voltar uma e outra vez.”
Beto, empresário da noite no Porto, incorpora essa promessa. Daqui não sai. Tem uma gaiola de pássaros na cabeça, ele próprio sente-se uma metáfora: “Estou dentro de uma gaiola. Não ganho um euro há 8 meses para pagar aos meus colaboradores.” Promete uma greve de fome aqui mesmo enquanto não forem ouvidos, enquanto não forem anunciadas mais medidas de apoio, porque eles e outros só estão aqui por uma razão: querem trabalhar. “Isto é uma revolução das pessoas que querem trabalhar”, sintetiza.
Vieram um pouco de toda a parte do país. Os cartazes denunciam muitos algarvios, alentejanos e nortenhos. Também há novos e velhos.
Do início ao fim, o protesto foi pacífico, não obrigando os polícias, perfilados na escadaria da casa da democracia, a qualquer tipo de movimentação . Antes, viu-se alguma simpatia em atitudes disfarçadas, como quando no final da primeira parte dos discursos, ao som do hino nacional, três ou quatro elementos retiraram da farda os telemóveis para registar o momento de silêncio em homenagem a quem sofre “com o vírus do desemprego”.
Não vieram – quiseram deixar claro, mais do que uma vez – para serem violentos, para desrespeitar as regras sanitárias. Vieram pedir para serem ouvidos. Do microfone ao centro do pequeno palco que instalaram propagam-se as histórias, muito reais, muito terrenas, em tom nervoso, apaixonado, exaltado, de quem começa a sentir dificuldades até em alimentar os filhos, de quem já sabe de antemão que não terá Natal, independentemente do que o Governo decretar com base nos próximos dados epidemiológicos.
Daniel Mendes, de Viseu, soube há pouco por um dos quatro empregados que estão hoje a trabalhar no seu restaurante que vendeu dois almoços. “Assim não vai dar. As contas não vão bater certo. É dramático e já não consigo dormir. A prioridade tem de ser a saúde, sim, mas é nós?”, deixa a pergunta.