O primeiro-ministro defende, esta sexta-feira. que Portugal precisa de uma base de entendimento política sólida. No debate sobre o Estado da Nação, António Costa defendeu que a condição de “estabilidade” é indispensável face à atual crise pandémica, e rejeitou “competições de descolagem” entre partidos enredados em “calculismos” eleitorais. Na resposta, Catarina Martins lembra que foi o PS quem “recusou” fechar um acordo a dois (depois de o PCP ter rejeitado reeditar a Geringonça) e Jerónimo de Sousa começou já a desenhar o caderno de encargos.
Esta mensagem sobretudo dirigida às forças à esquerda do PS na Assembleia da República foi deixada no discurso de António Costa na abertura do debate do estado da nação. “Precisamos de uma base de entendimento sólida e duradoura. Se foi possível antes, certamente terá de ser possível agora. Se foi útil antes, revela-se indispensável agora, ante o desafio de vencer uma crise pandémica com aquela que nos assola”, justificou o líder do executivo.
Há menos de um ano, após as eleições legislativas, os antigos parceiros de esquerda falharam na reedição de um acordo de legislatura como o que deu origem à Geringonça, em 2015. Primeiro, porque o PCP se recusou a assinar um novo entendimento com o PS a quatro anos. Depois, porque o PS não quis fechar um acordo exclusivamente com o Bloco de Esquerda. Dez meses volvidos, e com uma pandemia pelo meio, António Costa diz agora que “são várias as posições conjuntas que os aproximam: o desígnio de reforçar a capacidade produtiva e a valorização dos nossos recursos; a prioridade ao fortalecimento dos serviços públicos e o reforço do investimento público; o combate às precariedades na habitação e no trabalho; a luta contra as desigualdades”.
“Estes são objetivos que partilhamos e em torno dos quais é possível estruturar um roteiro de ação a médio/longo prazo”, assinlou o primeiro-ministro. “Sem prejuízo”, ressalvou Costa, “das conhecidas diferenças que definem a identidade de cada um, ou das visões distintas sobre a Europa e a importância da estabilidade do quadro macroeconómico, com que temos sabido conviver”.
António Costa dedicou uma larga parte da sua intervenção a insistir na ideia de que é necessário um novo acordo à esquerda. Porque há uma crise sem precendentes a que é preciso dar resposta, porque há uma “oportunidade única” para o relançamento da economia nacional, aproveitando os fundos que a União Europeia se prepara para disponibilizar aos Estados. Tudo isso, definiu o primeiro-ministro, exige entendimentos “duradouros”. “Mais do que disponibilidade”, garantiu,”hávontade política de reforçar com a saudável previsibilidade, coerência e continuidade as políticas que respondem não só às necessidades imediatas dos portugueses, mas também ao imperativo de transformação estrutural do país”.
Um dos alertas que os partidos à esquerda do PS mais têm repetido nas últimas semanas prende-se com o perigo de o recurso ao apoio europeu significar o regresso da austeridade ao país. A pensar nos antigos parceiros, Costa voltou a garantir que “a resposta a esta crise não passa pela austeridade ou por qualquer retrocesso nos progressos alcançados nos últimos cinco anos”. E insistiu na ideia de que “é com os partidos que connosco viraram a página da austeridade que queremos prosseguir o caminho iniciado em 2015. E, para esse efeito, necessitamos de um quadro de estabilidade no horizonte da legislatura”.
Depois, um aviso: “A magnitude da tarefa que temos em mãos não se compadece com acordos de curto prazo, nem com táticas de vistas curtas, baseadas em despiques de popularidade, competições de descolagem ou exercícios de calculismo eleitoral”. E, como tem repetido desde o início da legislatura, acentuou: “Ninguém espere deste Governo qualquer contributo para uma crise política”.
Bloco não põe “mandato na gaveta”
De entre os antigos parceiros da Geringonça, Catarina Martins foi a primeira a responder. E com um lembrete para António Costa. “O Bloco de Esquerda propôs, há menos de um ano, ao PS um acordo formal para a legislatura. O PS recusou esse acordo e preferiu negociar orçamento a orçamento, coisa que, aliás, o BE tem feito, como bem sabe”, recordou a coordenadora do Bloco.
Sinal de que a porta está fechada a novos acordos? “Senhor primeiro-ministro, o nosso horizonte sempre foi o da legislatura, nunca colocamos é o nosso mandato dentro da gaveta”, disse ainda Catarina Martins. Ou seja, o Bloco de Esquerda não diz ‘não’ a um retomar do diálogo que caiu por terra no final do ano passado, mas Catarina Martins faz questão de recordar ao primeiro-ministro que tem o seu peso na Assembleia da República e que não vai abdicar das suas bandeiras para dar a mão ao Governo.
E se Catarina Martins acena com os resultados de 2019, António Costa partilha a sua interpretação desses números. “Aquilo que os portugueses disseram foi muito simples: queriam prosseguir com a Geringonça, agora com um PS mais forte”, começou por dizer. “Esse foi seguramente o mandato que o PS recebeu, mas esse também foi seguramente o mandato daqueles que fizeram campanha eleitoral a pedir para que o PS não tivesse maioria absoluta porque se o PS tivesse maioria absoluta não havia geringonça”, continou Costa.
A mensagem é simples, e vem do passado: “Quem conseguiu que não houvesse maioria absoluta tem a responsabilidade agora de assegurar também que haja geringonça mesmo com um PS mais forte”. Costa dizia-o em 2019 e repete-o agora, palavra por palavra. Mas, admite o primeiro-ministro, numa sequência de perguntas e respostas com a líder do Bloco, “as circunstâncias mudaram”.
“Acho que temos o estrito dever de voltar a olhar para estas condições” discutidas em 2019, “porque há aqui uma nova agenda e é uma agenda que é comum. Agenda de reforço dos serviços públicos, de reforço do investimento público, de recusa de austeridade, de garantir que não temos qualquer retrocesso neste processo e uma nova agenda quer nas novas políticas de habitação quer em sede laboral de combate à precariedade e à informalidade. Esta é uma nova agenda e temos o dever comum de responder ao mandato que recebemos”, defendeu Costa.
Salários, carreiras, combate à precariedade: as bandeiras do PCP
O PCP foi o primeiro responsável pelo fim da Geringonça, há menos de um ano. Jerónimo de Sousa já o tinha dito em campanha e manteve a posição depois de conhecidos os resultados das legislativas: as condições que tinham levado à assinatura de um acordo entre os comunistas e o PS eram únicas, irrepetíveis. Depois, acabou tudo. Mas António Costa insiste agora na ideia de um acordo duradouro com os mesmos parceiros de 2015. E, diretamente para a bancada do PCP, lançava as bases de um novo diálogo: “Temos uma boa área de convergência para uma posição conjunta” que defina uma “agenda clara de resposta para aumentar a resiliência do país”.
E Jerónimo? O secretário-geral do PCP quer “soluções” para a crise. Mas lembra que “uma política de esquerda, patriótica”, tem de passar pelo “aumento geral dos salários para todos os trabalhadores”, pela “valorização das carreiras”, pelo “combate à desrregulação de horas”, pela “reposição das 35 horas semanais” na Administração Pública”, pelo “combate à precariedade” e pela “revogação das normas gravosas da legislação laboral”.
Foi com o esboço de um caderno de encargos que Jerónimo, não respondendo diretamente ao repto do primeiro-ministro, pareceu abrir a porta ao retomar do diálogo para um novo acordo com o Governo. Mas, para essa eventual mesa das conversações, Jerónimo leva também avisos. “Queria fazer um registo em relação ao péssimo sinal gasto ao fazer uma cambalhota em relação à proposta do PS do subsídio de penosidade, insalubridade e risco. Fica dado um sinal sobre os critérios e prioridades no tempo de muitos milhões que se anunciam”, vaticinou o secretário-geral do PCP.
Com Lusa