Primeiro, a “surpresa”. Depois, o “alarme”. Na semana passada, Carlos Casimiro Pereira (PS), presidente da Junta de Freguesia de Agualva e Mira-Sintra, no concelho de Sintra, soube em direto que a sua freguesia era uma das oito onde tinham sido identificados surtos de contágio, na região da Área Metropolitana de Lisboa. O anúncio da ministra da Saúde, na semana passada, apanhou outros autarcas de surpresa. “Não fomos avisados de nenhum foco, fomos surpreendidos com a declaração da ministra”, admite também, à VISÃO, o presidente da Junta de Freguesia de Rio de Mouro, Bruno Parreira (igualmente ele eleito pelo PS). Pior: num e noutro caso, os autarcas garantem que não há qualquer “surto” de contágio na comunidade e que os novos casos estão identificados e controlados. Mas isso não impediu o “pânico” entre a população.
Marta Temido é o alvo das maiores críticas pela forma como geriu o processo. “A ministra [da Saúde] não terá sido a mais feliz nesta informação”, considera o presidente da Junta de Freguesia de Agualva e Mira-Sintra. Desde logo, porque o cenário traçado na conferência de imprensa da última quarta-feira (10) “não correspondia” aos números de que o autarca dispunha naquele momento. Sem concretizar o universo de casos atual, entre os cerca de 41 mil habitantes da freguesia, Carlos Casimiro Pereira conta que a informação que obteve da Câmara Municipal de Sintra o “tranquilizou” face àquilo que tinha sido transmitido pela ministra da Saúde. “Aqueles casos positivos não estavam fora da percentagem no país, de cerca de 5%”, explica o autarca, acrescentando que uma larga maioria está relacionada com trabalhadores da construção civil que vivem naquele território. “Não existe nenhum surto, são pessoas que vivem em prédios distintos e que acusaram positivo. Num mapa georeferenciado, se começam a aparecer pontinhos em diferentes prédios, de repente fica a sensação de que é muita gente, mas não era esse o caso”, assegura.
Ao mesmo tempo que anunciava 13 surtos ativos na região de Lisboa – espalhados pelas freguesias de Arroios (entretanto, desmentido pelo Ministério da Saúde), Santo António, Encosta do Sol, Queluz e Belas, Águas Livres, Agualva e Mira-Sintra, Mina d’Água e Rio de Mouro –, Marta Temido dava conta de que iriam finalmente abrir portas os centros comerciais da Grande Lisboa. Um “comportamento algo bipolar”, considera o autarca, que lembra que é precisamente naquela zona dos subúrbios da capital que se localizam esses espaços de maior dimensão. “houve alguma incoerência na forma como a informação foi transmitida”, considera o socialista. “A gestão da ministra foi surpreendente”, acrescenta o autarca vizinho de Rio de Mouro.
Ali ao lado, a situação vivida foi em muito idêntica. “Não temos nenhuma indicação de que haja um foco específico” de propagação do contágio, refere Bruno Parreira. Ao que a VISÃO apurou, foram identificados várias dezenas de casos num único lar de idosos da freguesia e houve outros casos de resultados positivos à Covid-19 dispersos pelo território, mas nada que se enquadrasse numa situação de surto disseminado pela população. Ainda assim, no último fim de semana, a SIC esteve em reportagem no Mercado Municipal de Rio de Mouro e, a partir daí, o caos instalou-se.
Pressão para denunciar
Bruno Parreira conta que os apelos começaram a surgir em catadupa nas redes sociais. Moradores da freguesia que o instigavam a revelar os nomes e as moradas dos novos casos de pessoas contagiadas pelo novo coronavírus. A mesma pressão que sentiu Carlos Casimiro Pereira para começar a preencher uma lista negra da freguesia.
“Na sequência das afirmações da ministra, houve um avolumar de boatos de que alguém, num determinado prédio, poderia ter sido contagiado”, conta o autarca. Ser apontado como um território a braços com um surto do novo coronavírus fez “aumentar a insegurança” da população de Agualva e Mira-Sintra. “Primeiro, pediam-me a indicação por freguesia, depois por rua. Eu tenho conhecimento de alguns casos positivos – até porque prestamos ajuda alimentar a essas pessoas, para evitar que façam deslocações – , mas há uma tentação das pessoas de saber se no prédio onde moram está alguém contaminado”.
Os autarcas recusam-se a revelar essas informações. “Estar negativo não significa que, no dia seguinte, não se esteja positivo. O que é importante, e que cada um de nós tem de continuar a fazer, é cumprir as medidas de higiene e segurança”, defende o autarca socialista.
O caso do código postal
Na lista de zonas sob particular atenção, enumerada por Marta Temido, constava também a freguesia de Arroios. No dia seguinte, a secretária de Estado da Saúde veio corrigir a mão, ao explicar que tinha havido um “lapso” e que o código postal em causa não era, afinal, o de Arroios – mas também não disse qual a localidade com um suposto surto ativo.
Mais uma vez, a emenda não veio a tempo de evitar o pior. “Isto põe a população em em alvoroço, a telefonar a toda a hora, para saber onde é é o surto e onde não é”, conta Margarida Martins. “As pessoas entram em pânico. Eu tenho 30 anos de VIH/Sida, não podemos fazer com que haja ostracismo”, alerta a presidente da Junta de Freguesia de Arroios.
Até agora, por ali, isso não se verificou. Ainda para mais, com um local aberto especificamente para receber casos de pessoas contagiadas que, não precisando de estar internadas (porque os sintomas são ligeiros ou inexistentes), também não têm meios próprios que lhes permitam cumprir o período de quarentena respeitando o isolamento determinado pelas autoridades de saúde. Passaram por aquelas instalações 28 pessoas e o balanço é positivo. Mas as portas fecham-se no final do mês. “A pandemia está a desacelerar. Já não é preciso tanto apoio”, justifica a autarca eleita pelo PS.