Foi assim: o Silveirinha mais graúdo, José de seu nome, português de nascença, há muito radicado em Macau, decidiu ensinar ao jovem descendente, José Li Silveirinha, pianista de estalo, as eternas canções de Zeca Afonso. A eles juntou-se o amigo Manuel Geraldes, “capitão de Abril”, igualmente emigrado há um ror de anos no antigo território de administração portuguesa, levando uma ideia: e que tal organizar um pequeno, mas marcante concerto de homenagem ao 25 de Abril e ao cantor de Grândola, Vila Morena a partir das instalações do Clube Militar de Macau? Assim foi. O vídeo e as músicas de Zeca tocadas ao piano, a começar pela inevitável canção que serviu de senha ao golpe militar de 1974, chegaram à Associação 25 de Abril e logo Vasco Lourenço mandou libertá-las por aí, de partilha em partilha: “É um momento musical extraordinário”, assume o antigo comandante da Região Militar de Lisboa, também confinado na sua residência, para os lados do Areeiro. “São 30 minutos arrepiantes e emotivos, com as músicas que todos conhecemos, aprendidas de ouvido por um pianista genial. Prova de que aquilo que conquistámos não tem fronteiras”.
São episódios assim que ajudam o coronel e presidente da Associação 25 de Abril a relativizar o estado de emergência nacional que o impede de manter as rotinas populares de cada aniversário da revolução. “Estou em casa com a minha mulher, praticamente não vou à rua. Umas vezes encomendo comida, outras fá-lo a minha filha, e não saímos disto…”, lamenta-se. “A associação estará representada na sessão solene no Parlamento, mas confesso que me custa muito saber que não posso festejar a liberdade como me habituei”, assume, desgostoso, ao telefone.
Se as celebrações sofrem um forte revés, as solicitações nem por isso escasseiam.
Vasco Lourenço gravou um vídeo com uma mensagem sobre o 25 de Abril que foi disponibilizado a várias entidades e instituições, entre elas o município de Faro, cujo conteúdo não ignora os avisos e as consequências da pandemia provocada pela Covid-19. “Confiamos que as lições resultantes desta crise desmascarem a enorme mediocridade de algumas personagens que ascenderam ao poder, se transformaram em líderes dos seus povos e os estão a arrastar para o abismo! Confiamos que esse desmascaramento mostre quão frágeis são os pedestais a que se alcandoraram!”, refere o antigo membro do Conselho da Revolução, em nome dos dirigentes da Associação 25 de Abril. “Não podemos descuidar-nos, teremos de estar alerta e prontos a, com a coragem indispensável à conquista da Liberdade, atuarmos em conjunto, sobrepondo o coletivo ao individual, desmascarando a mentira e exigindo a verdade”.
Nos intervalos dos inúmeros pedidos alusivos ao “25 de Abril”, Vasco Lourenço passa os dias agarrado ao iPad e ao telefone, sem perder pitada da evolução da pandemia e das polémicas associadas às comemorações do Dia da Liberdade. Já nem liga ao diz-que-disse nem aos que, sempre zangados com o dia, o tentam menorizar. “Os militares de Abril não são irresponsáveis”, atalha. “Todos estamos conscientes do que temos de preservar por esta altura. Celebraremos em casa, à varanda e na Assembleia da República, cumprindo as regras impostas pelo momento. É uma atitude de liberdade responsável, sem prejuízo do bem comum”, assinala. “Não são estes condicionamentos à liberdade que me preocupam. Pode ser que o País saia disto até mais consciente das mudanças necessárias para vivermos numa sociedade mais justa e equilibrada”.