Foi com o País imerso numa crise sanitária sem paralelo que o Chega completou o primeiro ano de vida. Talvez seja exagerado afirmar que a data foi comemorada. Foi assinalada. Na quinta-feira, 9, restringido pelo isolamento social que a Covid-19 ditou, André Ventura apagou sozinho as velas do bolo – como mostrou ns redes sociais -, depois de mais uma jornada de afazeres parlamentares.
Numa altura em que está demissionário e em que forçou a antecipação de eleições para a liderança, usou o Facebook (onde tem mais de 86 mil seguidores) para, no mesmo dia, deixar um recado para quem o contesta fora e dentro de portas: “Quinta-feira Santa. 1° aniversário do CHEGA. E eu no Parlamento. Acho que estou a ficar viciado nisto. Não se vão livrar de mim facilmente.” Nessa noite, em conversa com a VISÃO, assegurou que nem o combate ao coronavírus vai limitar-lhe o raio de ação: “Continuo a ir todos os dias ao Parlamento, faço questão.”
Ao gabinete, composto por seis pessoas além dele próprio, aplicou um esquema de rotatividade – trabalham dois por dia. As exceções são Diogo Pacheco de Amorim (vice-presidente do Chega e assessor político), devido à idade que o coloca num grupo de risco, e a funcionária que faz trabalho administrativo, que está grávida. Foram ambos enviados para casa.
As mudanças ao quotidiano, em tempos de pandemia, não foram drásticas. Cautelas, sim, ma non troppo. Além dos plenários, matinais ou vespertinos, Ventura tem as conferências de líderes, o trabalho burocrático de bastidores de preparação e aperfeiçoamento das iniciativas legislativas e ainda as reuniões semanais dos representantes políticos com os especialistas do Infarmed e da Direção-Geral da Saúde.
O partido, agora, e mesmo com pequenos focos de contestação interna, é gerido à distância. Os contactos com as bases foram adiados e as reuniões com dirigentes nacionais ou distritais passaram a ser feitas “à mesa” do Zoom, sobretudo depois do jantar. Nesse período, a agenda está mais vazia. O Pé em Riste, na CMTV, está suspenso devido à paragem do campeonato de futebol e a televisão tornou-se mais esporádica para o líder do Chega. Tem aparecido no pequeno ecrã para comentar questões relacionadas com o combate ao surto, como aconteceu recentemente com a libertação de presos proposta pelo Governo.
Enquanto, lá fora, a crise de saúde pública evoluiu, na sua residência, no Parque das Nações (onde está confinado com a mulher, que é fisioterapeuta), Ventura tem apertado com a sua saúde e bem-estar. “Voltei a fazer muito exercício. Pus uma bicicleta lá em casa e todos os dias quando acordo, aí por volta das 8h00, pedalo uma hora”, revela.
Ao final do dia, quando regressa a casa, a preocupação maior dá pelo nome de Acácia, a coelha do casal, à qual dedica 20 a 30 minutos de atenção. Entre gargalhadas, Ventura explica a opção: “Eu queria um cão, a minha mulher queria um gato, e acabámos por ficar pelo meio termo…”
Assumindo não ser um melómano – diz que só ouve música no carro ou como fundo à hora das refeições -, o deputado único do partido mais à direita do espetro português conta que tem aproveitado para pôr as leituras em dia. “Tenho lido muito sobre Direito, muitas revistas da especialidade que tinha para lá atrasadas e que ajudam a que esteja atualizado, mas também outras coisas. Tenho um hábito terrível que é ler várias coisas ao mesmo tempo, mas sempre fui assim”, atira.
De momento, indica, está mergulhado n’O Pecado de Porto Negro, romance de Norberto Morais, ao mesmo tempo que está a explorar a obra Identidade de Género – Toda a Verdade, de Maria Helena Costa, apoiante do partido, que defende que a alegada ideologia de género “viola a Constituição da República Portuguesa e também a Declaração Universal dos Direitos do Homem”. A estes junta-se ainda Cinco Dias em Londres, de John Lukaks, acerca do maio de 1940, quando o gabinete de guerra britânico refletiu e deliberou entre uma eventual negociação de paz com Adolf Hitler ou a guerra com a Alemanha nazi. E mais curioso: Portugal Amordaçado – Depoimento sobre os anos do fascismo, de Mário Soares, editado em França, em 1972.
Para lá da literatura, tem consumido compulsivamente séries da Netflix. Despachou a última temporada de La Casa de Papel, assim como A.D. Reino e Império, uma viagem às raízes do cristianismo e à vida dos apóstolos que difundiram a mensagem de Jesus. Agora, começou Freud, uma produção austríaco-alemã que revisita a Viena do fim de século XIX, quando as primeiras teorias do ainda jovem pai da psicanálise começaram a despertar a ira da comunidade científica.