Em tempos de normalidade, João Cotrim de Figueiredo corre, pelo menos, duas vezes por semana. “Sempre [de] calções, sempre de pernas ao léu”, contou à VISÃO a 25 de outubro, dia em que se estreou nas lides parlamentares. No entanto, nem o isolamento forçado pela Covid-19 afastam o presidente da Iniciativa Liberal (IL) do exercício. Seja de calções ou de fato de treino, quando pode, “às 7h e picos”, lá está ele a cuidar do físico. “Nos primeiros dias [de confinamento], ainda corri duas vezes, mas entendi que não estaria a dar o melhor exemplo. Agora faço 25 ou 30 minutos de aulas que vejo no Youtube”, revelou, numa conversa feita na sexta-feira, 3, no Zoom.
Na casa onde reside, nas Avenidas Novas (Lisboa), as rotinas mudaram, mas o papel da tecnologia nem por isso. “O trabalho partidário não mudou por aí além. Nós já éramos o partido mais digital que havia”, brinca o deputado único da IL, cuja quarentena começou “muito cedo” por ter percebido que o surto de coronavírus seria “mais sério” do que se poderia supor quando a epidemia chegou a Portugal.

Assim que se apercebeu do risco, pôs o pessoal do gabinete em teletrabalho. Reúnem-se por vídeoconferência, em alguns casos, “mais do que uma vez por dia”. Todos os eventos, como o Conselho Nacional marcado para o último fim de semana de março, foram adiados. Formou uma task force para enfrentar a crise (com duas pessoas da Comissão Executiva, uma da equipa da Assembleia da República e um especialista em Saúde) e, depois, bastou valer-se do ADN do partido: redes, redes, redes.
“Por dever de ofício”, afirma o antigo presidente do Turismo de Portugal, o seu confinamento “não é dos mais rígidos”. Com a Assembleia da República ainda e sempre a funcionar, tem plenários e conferências de líderes, aos quais soma as burocracias inerentes à apresentação de requerimentos ou de perguntas ao Governo, que pressupõem que tenha um computador com sensor que leia os smart cards atribuídos aos deputados. Mais os briefings semanais dos especialistas do Infarmed e da Direção-Geral da Saúde e a participação em Isto É Gozar com Quem Trabalha, o programa de Ricardo Araújo Pereira na SIC.
No novo quotidiano, e num agregado com quatro pessoas (incluindo o próprio) “em teletrabalho ou telestudo”, Cotrim de Figueredo teve de adotar regras apertadas. “Sendo eu a pessoa mais exposta, quer por causa das idas ao Parlamento, etc., quer por causa da assistência aos meus pais, acabo também por ser eu a ir mais às compras”, refere. O trabalho político, esse, está balizado: das 8h00 às 20h00, a menos que algo urgente exija esforços redobrados.

Ainda assim, o resto do tempo não serve apenas para lazer. A emergência em que o País vive mergulhado, sublinha, eliminou “algumas soluções para a comida e para a roupa”. “Não desgosto de engomar. Não posso dizer que gosto, mas consigo abstrair-me”, graceja.
Para lá das obrigações, é com satisfação que Cotrim de Figueiredo diz que tem lido mais. Na semana passada, terminou O Meu Irmão, de Afonso Reis Cabral, e preparava-se para revisitar O Gene Egoísta, best-seller em que Richard Dawkins, apoiante dos Liberais Democratas britânicos, procura explicar a evolução das espécies à luz dos genes e não dos organismos ou das espécies.
Na calha estava também O Arquipélago Gulag, que Alexander Soljenítsin (Nobel em 1970) escreveu na clandestinidade, entre 1958 e 1967, com recurso ao testemunho de 227 sobreviventes dos gulag soviéticos. A obra de combate ao totalitarismo estalinista foi descoberta em 1973 pelo KGB e Soljenítsin chegou a ser preso, acusado de traição e enviado para o exílio, onde esteve 20 anos. Só voltou à Rússia em 1994.
No pequeno ecrã, Cotrim de Figueiredo tem “andado a picar” Freud, sobre o pai da psicanálise na Viena fin de siècle, capital do império austro-húngaro, e Tiger King: Morte, Caos e Loucura, acerca da “história bizarra” de Joe Exotic, um redneck americano que encontrou nos tigres uma forma de fintar uma vida banal. Quanto a filmes, tem visto “pouca coisa”. Exceção feita a First They Killed My Father, realizado e coescrito por Angelina Jolie, baseado no caso verídico de Loung Ung, separada da família e treinada militarmente num campo para órfãos, durante regime do Khmer Vermelho, de Pol Pot, no Camboja.

A acompanhar o trabalho e os momentos de maior descontração, o líder dos liberais tem ouvido o último álbum de Morrissey, I am Not a Dog on a Chain – “Ainda não consigo dizer se gosto ou não”, salienta – e Flotsam and Jetsam, uma coletânea de canções B-side, remixes e algumas raridades da carreira a solo de Peter Gabriel.
Desta crise sanitária, que tem colocado restrições à vida de todos, o deputado admite que pode vir a retirar uma lição, que, para já, é ainda uma “mera hipótese”: “Que é possível adotar formas de trabalhar à distância e, mesmo assim, perceber as emoções.” Mas, lá do fundo, surge o desabafo: “Marcou-me muito hesitar entrar em casa dos meus pais – e claro que entro descalço e com dois pares de luvas… É novo pensar que podemos ser um perigo para os nossos próprios pais…”