Para mostrar “inequívoca solidaridariedade institucional” com Marcelo e com a Assembleia da República, António Costa fez questão de estar presente no plenário durante a discussão do decreto presidencial que põe em marcha o Estado de Emergência nacional. Costa jurou “humildade”, garantiu a defesa da democracia e voltou a assinalar que as duas semanas de vigência do regime de exceção serão, certamente, renovadas por tempo incerto. “Não é uma medida que restrinja” direitos e liberdades “durante uma ou das semanas; será poventura um período mais duradouro.”
Num plenário com mais cadeiras preenchidas que o previsto no plano de contingência da Assembleia da República, a maior parte do partidos assumiu o voto favorável ao decreto de Belém que vai instituir o Estado de Emergência no país – PCP e Verdes ficaram de fora, optando pela abstenção, tal como João Cotrim Figueiredo (Iniciativa Liberal) e Joacine Katar Moreira (não inscrita) . Na bancada do Governo, António Costa ouviu avisos de que os poderes reforçados do Estado exigem “proporcionalidade” e que a nova fase em que o país se prepara para entrar deve ser “excecional”.
Costa não escondeu o cenário. Poderemos ter de “viver mais um inverno sem vacina” e o decreto de Marcelo está longe de ser o recurso “salvífico” contra os efeitos da pandemia. “Daqui a 15 dias vamos ter mais pessoas infetadas, sofreremos mais falecimentos que os dois já registados e esta pandemia vai continuar a desenvolver-se nas próximas semanas e meses”, avisou.
Como já tinha feito no final do Conselho de Ministros, o primeiro-ministro deixou a garantia de que o regime de exceção significa isso mesmo, uma exceção. “Sendo o estado de emergência um estado de exceção constitucional, a regra continua a ser o respeito e a vigência da Constituição da República Portuguesa na sua integralidade.”
Estado de Emergência “é um mal necessário”
O PS aprovou o decreto presidencial que institui o Estado de Emergência, mas Ana Catarina Mendes deixou claro se trata de uma decisão que o partido preferia “não ter que tomar”. A líder parlamentar justifica a viabilização com o “caráter excecional e transitório” da medida por se tratar de um recurso para o “combate sem tréguas à pandemia” da Covid-19.
Da intervenção fica, também, uma mensagem para o Governo, a quem compete executar as linhas do decreto assinado por Marcelo Rebelo de Sousa. “Os poderes ampliados do Estado que resultam desta declaração devem ser usados com ponderação e proporcionalidade” e o Parlamento, garante, lá estará para fazer esse “permanente escrutínio” ao Executivo. “Temos sempre, mesmo sempre, que equilibrar segurança e liberdade.”
Ana Catarina Mendes deixa, ainda, um alerta sobre as consequências da pandemia além daquelas que recaem sobre a Saúde Pública – e que justificam o Estado de Emergência. Num momento ainda inicial da contaminação em Portugal, “enfrentamos um risco sem precedentes de degradação da economia” e, lembra, “a pobreza e desigualdade (…) matam mais em tempos de crise” como o atual. É, por isso, fundamental que a pandemia “se torne numa crise económica, social e política”. O combate, diz, não é “de dias nem de semanas, é um combate de meses”.
Também o Bloco de Esquerda votou pela aprovação do decreto. É, disse Catarina Martins, uma “crise inédita que estamos a viver e que, sim, exige uma resposta inédita”. E essa resposta até já está a ser dada: pelo profissionais de saúde, pela população que se colocou em quarentena voluntária, pelas forças de segurança, pelos trabalhadores do setor público e do privado, pelo “povo de Ovar”. A todos, a líder do Bloco disse “obrigada”.
Mas também “pode haver quem não esteja à altura do momento”, reconheceu, e até “quem se tente aproveitar da crise”: despedindo trabalhadores precários, abusando dos direitos laborais, “vampirizando” em nome do “negócio privado da saúde”, às empresas que vendem ao exterior material necessário no país. Esses “têm de ser chamados à responsabilidade e o Governo tem de agir”. É esse um dos fundamentos maior do voto do Bloco ao Estado de Emergência. “Não podemos tolerar quem se aproveita da crise”, defendeu Catarina Martins.
O Bloco deixou, ainda, algumas medidas urgentes: o reconhecimento da emergência sanitária, a proibição de despedimentos e de cortes na luz, água e comunicações, a suspensão do pagamento dos créditos de habitação. “Não estamos a inventar a roda”, garantiu, notando ao mesmo tempo que o pacote de apoio à economia fica aquém daqueles que já foram anunciados por outros países da União Europeia.
Rio sem “ses”, CDS com “mas”
Partiram de Rui Rio as palavras mais firmes na defesa do Governo e no apoio à instauração do estado de emergência. O presidente do PSD pediu mesmo unidade e solidariedade no combate a esta pandemia. Fê-lo em termos pouco habituais ao nosso quotidiano democrático, mas, segundo ele, são os adequados ao momento de exceção. “Este não é um Governo de um partido adversário, é o Governo de Portugal que todos temos de ajudar no combate a esta calamidade. O PSD não é oposição, é colaboração”, assumiu o líder social-democrata, recorrendo à metáfora militar para ilustrar a resposta ao estado a que chegámos. “Temos de ser todos soldados na disponibilidade. Temos de ajudar Portugal a vencer com menor número de baixas possível. Senhor Primeiro-Ministro: em tudo o que pudermos, ajudaremos. Desejo-lhe coragem, nervos de aço e muita sorte porque a sua sorte é a nossa sorte.”.
Dada a “ameaça muito séria à segurança dos portugueses”, o líder do PSD manifestou a sua concordância com as medidas que várias democracias, entretanto, se apressaram a aplicar, enquanto outras “se atrasaram a tomar.”. Para Rio, tudo fica claro para os portugueses: “O Governo usa os poderes quando quiser e se quiser. Se entender e quando entender.”. De resto, explicou, “há medidas que, inclusive, já foram aplicadas”, aproveitando para pedir aos cidadãos compreensão para esta realidade sem paralelo na democracia. A advertência, porém, veio logo de seguida: “O estado de emergência não vai resolver o problema. Vai ajudar a resolver o problema mais cedo. Mas o mais cedo vai ser daqui a uns meses”, garantiu, sem disfarçar o que está em causa e sem deixar dúvidas quanto às prioridades de investimento público: “Equipamento para os profissionais de saúde, testes de diagnóstico e ventiladores.”. Pontes, estradas e aeroportos podem esperar.
Pela parte do CDS/PP, Telmo Correia preferiu lembrar ao Governo tudo o que podia ter feito e terá demorado a concretizar: controlo sanitário antecipado nas fronteiras, aquisição de ventiladores, entre outras medidas. Reclamando propostas para proteger o setor social, o deputado concentrou depois o discurso na urgência nacional: “É preciso fazer tudo o que estiver ao nosso alcance”, afirmou, tentando deixar um sinal de esperança: “Nenhuma pandemia ficará para sempre. Venceremos.”. Pouco disponível para entrar “numa espécie de concurso de ideias” no Parlamento, Telmo Correia garantiu que os “centristas” serão solidários com o Governo, mas sem contemporizar com equívocos como o de “fechar” Ovar com um cordão sanitário, mas, ao mesmo tempo, permitir que algumas fábricas continuem a laboral no concelho. “Esperamos o melhor, mas estaremos preparados para o pior”, afirmou, revisitando palavras de um antigo presidente norte-americano, mas que também podia ser um provérbio chinês. “O comando é seu”, finalizou, dirigindo-se a António Costa.
Quanto a Inês Sousa Real, do PAN, centrou-se no facto de estas circunstâncias exigirem de todos “cedências, articulação solidária e convergência.”. O “total apoio” às medidas do Governo e à proposta do Presidente da República não estavam em causa, mas a líder parlamentar lembrou a necessidade de proteger vítimas de violência doméstica, impedir abusos infantis e assegurar a sobrevivência dos animais. A homenagem à “joia da coroa” do regine, vulgo Serviço Nacional de Saúde, foi assinalada para memória futura.
PCP e Verdes abstêm-se. “Não nos parece ainda ser o tempo” de medidas extremas
A dúvida manteve-se até João Oliveira subir ao púlpito e só acabaria por ser desfeita com o anúncio do líder parlamentar do PCP de que o partido se ia abster na votação do decreto presidencial. Pouco depois, os Verdes seguiriam o mesmo caminho. “Não nos parece ainda ser o tempo” de elevar a resposta, justificaria José Luís Ferreira (PEV).
João Oliveira lembra que a lei de bases da proteção civil já permite “adotar medidas de maior vigor” para o combate à pandemia. Medidas como a fixação de zonas sanitárias, a imobilização de pessoas ou a requisição de bens ou serviços por parte do Estado. “Esse vasto conjunto de medidas de prevenção e contenção podem e devem ser adotadas de forma gradual” e o PCP nem recusa que venha a ser necessário reforçar o Estado de novos poderes. Mas ainda não. E, por isso, a abstenção dos comunistas.
Os Verdes não andaram longe deste raciocínio. José Luís Ferreira reconheceu que o país está confrontado com uma “situação excecional” e com a “proliferação de casos [que] exigem medidas excecionais e urgentes”. É, por exemplo, “prioritário” garantir às empresas publicas do Serviço Nacional de Saúde condições para obter equipamentos e meios para deteção de casos suspeitos de contaminação por Covid-19 e o tratamento dos casos confirmados.
Mas, mais uma vez, as medidas adotadas no início de maio já começavam esse caminho. E havia margem para reforçar o combate sem subir ao Estado de Emergência. Essa “subida de patamar”, justificou o deputado do PEV, “não está ainda plenamente justificada”.