Foram 14 minutos em que chamou a si próprio a liderança política do combate ao coronavírus. Marcelo Rebelo de Sousa falou esta quarta-feira ao País, numa mensagem transmitida pela RTP, e apresentou os motivos pelos quais declarou o estado de emergência. O Presidente da República procurou serenar os mais céticos em relação a este passo e garantiu que se tratou de uma “decisão excecional num tempo excecional”. E mais: este “sinal político forte”, como o classificou, “não é uma interrupção da democracia”.
Na intervenção feita no Palácio der Belém, o Chefe do Estado realçou mesmo que a decisão tomada pelo decreto que emitiu esta quarta-feira (com parecer positivo do Conselho de Estado, articulação direta com o Governo e devidamente autorizado pela Assembleia da República) é “um sinal democrático”, graças à “convergência dos poderes do Estado”. No fundo, notou, não está a abrir a porta a medidas excessivamente musculads ou autoritárias, mas a recorrer apenas “os meios excecionais” que a própria democracia “prevê em tempos excecionais”.
Combinando o tom institucional com a dimensão humana a que recorrera, por exemplo, aquando do célebre discurso proferido após os incêndios florestais de 2017, Marcelo alertou os portugueses de que o estado de emergência “não é, porém, uma vacina nem uma solução milagrosa”. Pediu coragem e resistência e gabou o “bom senso” que as pessoas têm demonstrado ao, genericamente, acatar as instruções das autoridades públicas.
Ainda assim, salientou que sabia e sabe que “os portugueses estão divididos” acerca dos mecanismos mais adequados no combate à pandemia covid-19 e mostrou compreensão pelo facto de “em plena crise” estarem “ansiosas e angustiadas”. Esse aspeto, advertiu, contudo, não pode levá-las a encarar o estado de emergência como “um milagre que tudo resolva”.
O tempo, enfatizou o Presidente, é de “uma verdadeira guerra”. Daí ter elogiado o papel do Governo chefiado por António Costa nesta “tarefa hercúlea” de conter e mitigar os efeitos deste surto que já vitimou três cidadãos nacionais e milhares de pessoas no estrangeiro, assim como o “heroísmo diário” dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde.
No plano mais formal, o Chefe do Estado invocou cinco razões para ter decretado o estado de emergência, como a VISÃO escreve na edição que vai esta quinta-feira para as bancas. Primeira: a necessidade de “antecipação”, de “aprender com os outros”, isto é, com o que correu mal em países terceiros e, por isso, tocar a rebater “nos dias, semanas e meses que estão pela frente”. Segunda: “prevenção”, ou seja, dar uma base legal ao Governo mais ampla para tomar medidas mais restritivas, sobretudo no que toca à circulação interna e internacional. Terceira: suporte legal para que medidas de exceção no pico da crise “mais tarde” não venham a ser questionadas do ponto de vista jurídico.
A quarta razão prende-se com a “contenção”, disse o Presidente. Traduzindo, Marcelo garantiu, como a Constituição estipula, que o estado de emergência por calamidade pública não belisca direitos fundamentais, nem porá em causa a produção e distribuição de bens essenciais à vida quotidiana. E a quinta, mais explicativa, tem a ver com “flexibilidade”. O estado de emergência, relembrou, dura 15 dias, pode ser renovado, mas isso dependerá sempre de uma avaliação da avaliação do estado do País.
Já na reta final do discurso, a mais alta figura da Nação tentou normalizar, tanto quanto possível, a situação. E debruçou-se sobre o que estará por vir. “Quanto mais depressa formos, mais depressa podemos salvar vidas. Só se salvam vidas se a economia não morrer”, observou, antes de pedir que não se ceda aos mais efetivos inimigos: “desânimo, cansaço e fadiga do tempo que nunca mais chega ao fim”.
E dado que foi muito criticado nos últimos dias por ter estado em quarentena autoimposta (com dois testes negativos à covid-19) e por ter adiado decisões mais drásticas, Marcelo respondeu com a subtileza que pôde. Defendeu que tudo o que nos dividir e “enfraquecer alongará a luta e torná-la-á mais custosa” e exigiu a todos os poderes públicos “verdade”. “Nesta guerra, ninguém mente nem vai mentir a ninguém. Isto vos diz e vos garante o Presidente da República por vós diretamente eleito”, assegurou. Com uma nota para quem o tem acusado de tibieza ou cobardia política: é ele, Marcelo, “o primeiro e não o último dos responsáveis perante os portugueses”.