Se, durante três dias, uma qualquer revista “do coração” tivesse marcado presença no 38º congresso do PSD, em Viana do Castelo, hoje teria muito para contar aos leitores. Por estes dias, Rui Rio já dera sinais de indisponibilidade para namoricos com as forças de direita recém-chegadas ao Parlamento, mas no discurso de encerramento da reunião-magna “laranja” foi evidente que o coração social-democrata bate por nova união de facto com o CDS.
PSD e CDS assemelham-se àqueles casais separados, mais por saturação do que por traições, com muita coisa por resolver do ponto de vista sentimental. Os psicólogos explicam, mas é evidente que sobram grãozinhos de afeto, resquícios de uma aliança de boa memória e, bem lá no íntimo, os dois nunca deixaram de gostar um do outro. Para já, o reatamento não é assumido nem se prevê que venha a ser tão cedo. Os mimos são apenas de boca, mas com sinais de afeto para a fotografia e a motivar os habituais cochichos. Fossem Rio e Francisco Rodrigues dos Santos talhados para as colunas sociais e alguém já teria gritado: “Temos caso”.
Até ver, Rio dá preferência à autonomia de cada partido e à demarcação das diferenças, até para melhor escrutínio eleitoral dos cidadãos. Mas, somados os votos, talvez haja margem de manobra para oficializar nova relação. Se isso será válido já para as autárquicas de 2021, é cedo para perceber, mas há, no interior do partido, quem o defenda para limitar ambições das versões mais radicais da direita portuguesa.
Este foi o dado mais saliente do congresso social-democrata. A VISÃO selecionou ideias e sinais a partir do discurso de encerramento de Rui Rio, durante o qual o líder do PSD desfez – em tom pausado, sem sobressaltos nem excitações – a propalada governação de sensibilidade social do PS, sobretudo nas áreas da Saúde e da Educação.
MEU QUERIDO CDS
Poderia ser apenas mais uma formalidade na extensa lista de agradecimentos do líder às presenças institucionais e representações das forças políticas adversárias. E era uma lista imensa. Mas o destaque e os elogios de Rui Rio à delegação do CDS, encabeçada pelo próprio líder centrista Francisco Rodrigues dos Santos, talvez deva ser lida nas entrelinhas. De preferência, a bold. “Compreenderão que dirija um cumprimento em particular à delegação do CDS-PP, partido que, em diversos momentos – e alguns deles bem difíceis – partilhou com o PSD a governação do País”, afirmou Rui Rio. A sala gostou. E o presidente centrista, o já famoso “Chicão”, aplaudiu grande parte do discurso do presidente do PSD, entusiasmo selado com um vigoroso abraço entre ambos. Temos namoro?
“O CDS está disponível para iniciar negociações com o PSD”, confirmou o líder do CDS aos jornalistas, abrindo a porta a negociações tendo em vista as eleições autárquicas e as legislativas. “Temos naturalmente a porta sempre aberta para o PSD, é o partido com o qual privilegiaremos as nossas negociações com vista à construção de uma maioria alternativa não socialista em Portugal”.
DIFERENÇAS, MAS SEM FICÇÕES, PF
Rio nunca escondeu o seu gosto por uma boa guerra. Sobretudo, se for para defender teses e temas que constituem o seu ADN político e sobre os quais falou até à exaustão (e fê-lo de novo no discurso de encerramento em relação às reformas da Justiça e do sistema eleitoral). Do ponto de vista meramente eleitoral, o líder do PSD considera “imperioso” evidenciar diferenças em benefício de escolhas “mais esclarecidas e conscientes” por parte dos cidadãos, mas adverte: “Quando as inventamos ou ficcionamos, levando-as para lá da própria realidade, construindo barreiras que, na prática, não existem, só estamos a prejudicar esse mesmo interesse nacional.”. Estaria, de novo, a falar do CDS? Pelo menos, pareceu.
MENOS PROMESSAS, MENOS HOLOFOTES
É outro dos assuntos colados ao seu perfil, mas, num congresso onde as feridas internas não foram saradas, a crítica veio atrelada à denúncia dos poderes fáticos de “perfil corporativo ou setorial” que, segundo ele, enfraquecem a política. “A consciência dessa circunstância tem de levar os partidos e demais agentes políticos a serem mais comedidos nas promessas e mais preparados na ação”, refere, pedindo “menos fazedores de notícias e mais construtores de soluções.”. Houve também quem lesse nestas palavras mais um recado para dentro.
PRECÁRIOS E MAL PAGOS
A esquerda não diria diferente. Quando falou da realidade laboral, Rui Rio lembrou que nem sempre a iniciativa privada cumpre “padrões éticos aceitáveis”, mas preferiu destacar aqueles que, além de ganharem mal, recebem salários sem quaisquer garantias de estabilidade e futuro. “Hoje temos, efetivamente, mais emprego, mas emprego relativamente precário e manifestamente mal pago”, afirmou, sem recorrer a contabilidades evidentes para todos. “É cada vez mais estreita a diferença entre o salário mínimo nacional e o salário médio – não porque o mínimo seja alto, mas porque o médio é baixo.”.
MENOS DEPUTADOS, MENOS MANDATOS, MAIS ÉTICA
Menos deputados no Parlamento, limitação de mandatos a exemplo do que já acontece nas autarquias e alteração da composição da Comissão de Ética da Assembleia da República “de molde a evitar conflitos de interesses”, eis três das propostas do presidente do PSD para reformar o sistema político e contribuir para “a credibilização e a eficácia da democracia.”. O líder social-democrata reclama um debate sério, sem a “habitual demagogia” que só contribui para dar da política, e de quem a exerce, uma versão digna de tabloide. E está disponível para acordos nestas matérias.
A “PENOSA” JUSTIÇA E OS MAGISTRADOS
A seguir à reforma do sistema político, outro tema das sebentas de Rio é a reforma da Justiça. São as duas causas de que terá falado mais vezes neste século e para as quais se diz disponível para pactos. O presidente do PSD nunca foi meigo nestas matérias. E mantém. Do diagnóstico às falhas da Justiça e ao seu alegado descrédito fazem parte, segundo Rio, a “incapacidade” demonstrada em “muitas investigações” arrastadas “penosamente”, a “relativa opacidade do seu funcionamento”, o corporativismo, a morosidade dos processos, a “devassa” mediática, a “incapacidade técnica”, a “arrogância no comportamento de muitos do seus agentes”. E se algo ainda podia piorar, o líder do PSD considera o aumento dos vencimentos dos magistrados, “designadamente na componente do seu salário que nem sequer IRS paga”, o momento “em que a Justiça cavou um fosso que a separa do povo.”.