Lá fora, 7º C. No interior do Parque de Feiras e Exposições de Aveiro, um intenso calor. Foi tensa a manhã do primeiro dia do 28º Congresso do CDS, uma vez que, como era esperado, João Almeida e Francisco Rodrigues dos Santos, os dois grandes favoritos na disputa pela sucessão de Assunção Cristas, trocaram violentos golpes e bipolarizaram a discussão.
De nada valeu que a líder cessante tivesse pedido aos pretendentes ao trono que arrumassem as hostilidades. João Almeida subiu ao púlpito disposto a mostrar que só aceita o epíteto de candidato “do mais do mesmo” se “mais do mesmo” incluir tudo o que de positivo o partido alcançou desde que teve responsabilidades na Juventude Popular (JP), no distrito onde decorre a reunião magna e nas direções nacionais. Era o primeiro golpe, o do currículo. “Se acham que vim para fazer igual, não votem em mim”, atirou, antes de assegurar que, caso seja eleito presidente, mudará dois terços dos dirigentes em todos os órgãos do partido.
Recusando ser “um candidato cinzento”, lembrou que nunca deixou de dizer aos militantes aquilo que pensa. Com José Ribeiro e Castro, com Paulo Portas e com Assunção Cristas. Subtexto: “Chicão” não o fez. Segundo golpe. Mais: sublinhou que esteve sempre no terreno de batalha quando elas ocorreram e não ficou “à espera” que aquelas que fossem travadas “corressem mal” para aparecer no momento seguinte. Terceiro movimento ofensivo.
A quarta pancada? Mesmo perante uma hecatombe de norte a sul do País nas legislativas, em Aveiro, onde foi cabeça de lista, o CDS segurou o seu deutado. Tradução: ao contrário do adversário, que falhou a eleição no Porto, terá voz nos debates com António Costa.
Depois veio a questão da identidade do partido, sempre cara aos congressistas. “Não vamos ser a direita que quer agradar à esquerda, mas também não vamos ser a direita que encaixa na caricatura que a esquerda faz de nós.” Era a quinta investida. E a meia dúzia chegou rápido: “Vamos ser o partido sem coação e sem ameaça, sem messianismos. Quero ser presidente de um partido livre e não controlado, de opiniões diferentes e não de unanimismos. (…) Quer ser presidente de um partido de muitos protagonistas e não de muitos seguidores.”
Cerca de uma hora depois, Rodrigues dos Santos ripostou com veemência. Num tom inflamado e com discípulos da JP espalhados estrategicamente pela sala, garantiu estar no conclave “completamente solto e completamente livre”. Uma “candidatura que não tem padrinhos, não tem donos e não é sucessora de coisa rigorosamente nenhuma”, realçou, num primeiro murro.
Face a notícias recentes de que a sua noiva, Inês Vargas, fora contratada pela autarquia em que é deputado municipal, Lisboa, o candidato insinuou que foram os opositores a semear a informação. A sua moção, adiantou, não é aquela “que quer condicionar o Congresso com fontes anónimas na imprensa”. “Pelas intervenções iniciais [tanto de Almeida como de Filipe Lobo d’Ávila], as fontes anónimas tiveram assinatura…”, provocou. Segunda canelada.
E a matriz ideológica ou doutrinária? Pretexto para o terceiro abanão. No entendimento do jovem centrista, o partido não pode ser “uma loja de conveniência”, “um produto de contração” ou “um objeto político não identificado”. Daí ter enfatizado que “não é boa ideia” que se sigam os conselhos de quem não gosta e que “nunca votou ou nunca votará” no CDS. “Para eles, ultraconservadores somos todos, ultraliberais somos todos e, quando o combate aperta, até fascistas somos todos”, fundamentou, muito aplaudido. “Só quem não tem medo de ser chamado radical é que pode ser livremente moderado”, reforçou.
A resposta à caricatura e à tese do acantonamento também foi pronta: o CDS não será “uma força de protesto bacoca” e muito menos “um Bloco de Esquerda de direita”. Por último, desdramatizou não ter assento na Assembleia da República e reduziu o argumento ao ridículo, num quarto remoque : “Se tivéssemos só um deputado, dispensaríamos este Congresso?” Solução: piscou o olho a Cecília Meireles, apoiante de Almeida, que pretende continuar a ver como líder parlamentar.
A intensidade com que se digladiaram acabou por relegar para um plano secundário a intervenção de Lobo d’Ávila, que, num estilo mais harmonioso, quis apresentar-se como uma terceira via. Aquela que não representa “o medo” ou “a franja”, mas que também não aceitará ser “um catavento que a todos quer agradar”. Ironia das ironias: o único crítico assumido durante os quatro anos de consulado Cristas foi aquele que lhe estendeu a mão: “Não esquecemos o teu sucesso em Lisboa. Se quiseres, renovarás o teu compromisso autárquico.”
Se os ânimos estavam acalorados com a apresentação das moções de estratégia global, a pausa para almoço veio em boa hora. O confronto, percebe-se em Aveiro, tem também contornos geracionais. Os principais quadros do partido, que tiveram palco com Portas e Cristas, estão com Almeida – o último a anunciá-lo foi Telmo Correira – e alguns, menos, com Lobo d’Ávila. Rodrigues dos Santos federou o descontentamento (e o ruído) dos mais jovens. Em palmas, levou vantagem. E em votos?