Muitos pediram, poucos ouviram. O Congresso do CDS transformou-se esta tarde/noite numa batalha campal. De um lado, ficaram os “oficiais” de João Almeida; do outro, os soldados rasos de Francisco Rodrigues dos Santos. Houve excesso de decibéis, insinuações a mais, ataques sem freio e algo que não é usual nos conclaves centristas: apupos a oradores.
O ex-ministro da Economia António Pires de Lima, que anunciou o apoio a Almeida, escalpelizou a moção de “Chicão” (como é conhecido no partido) e disparou sobre a terminologia utilizada para qualificar os adversários de esquerda. O antigo governante lamentou que candidato estivesse a cair na tentação de fazer o que Assunção Cristas fizera – adotar “um registo de autossuficiência e ambição máxima”, que inviabilizou a construção de “pontes” com outras forças políticas – e foi contundente: “Se te queres dar ao respeito, começa tu por mostrar respeito pelos teus adversários.”
Os apoiantes de Rodrigues dos Santos, especialmente o enorme grupo da Juventude Popular (JP), não gostaram e reagiram. O que se seguiu foi uma monumental vaia, própria de estádio de futebol, que durou 40 segundos. Pires de Lima mandou mais achas para a fogueira: “Espero que não seja este o espírito da intolerância que amanhã venha a liderar o partido. O CDS não é uma tribo.”
Disputado num “lamaçal” e engolido por visões maniqueístas do partido, ficou clara a estratégia de uma e de outra candidaturas. Almeida equilibrou o Congresso através de intervenções muito vivas de Cecília Meireles, que garantiu que jamais dirá de gente do partido aquilo que ouviu da sua gente, de Pedro Mota Soares, que disse custar-lhe muito “ouvir dizer que há uma direita cobarde ou envergonhada”, de Diogo Feio, que lamentou os remoques sobre “tachos”, de Adolfo Mesquita Nunes, que se insurgiu contra os usam os rótulos da “direita cobarde, poeta de karaoke ou direita champanhe” e que contestou a ideia do relativismo moral. “Nós, os católicos, prestamos contas a Deus, não aos dirigentes do CDS”, devolveu a rematar.
Pelo meio, Rui Barreto e José Manuel Rodrigues (respetivamente, presidente e ex-presidente do CDS/Madeira) também se pusaram do lado do porta-voz da direção cessante e Nuno Melo pôs-se de fora das votações ds moções. “Ofereceu” os seus votos ao homem que quer que faça marcação cerrada a António Costa, no Parlamento, e a cabeça, qual Egas Moniz, aos “carrascos” que, defendeu, esqueceram Assunção Cristas e não deram o melhor pelo partido nos difíceis atos eleitorais de 2019, para agora estarem de dedo em riste.
Na barricada contrária, também houve discursos alinhados. Miúdos e graúdos subiram ao palanque no Parque de Feiras e Exposições de Aveiro para dar corpo ao movimento das bases contra a cúpula, da arraia-miúda contra os senadores, do País contra o Largo do Caldas, dos rostos do passado oposição às figuras do futuro. Contou com o empurrão de Sílvio Cervan e Filipe Anacoreta Correia (acérrimo opositor a Portas e membro da direção de Cristas), que, recordou, “tem a idade de Adelino Amaro da Costa quando fundou o partido”. “Não tenham medo!”, apelou.
A avaliar pelo “palmómetro” – a expressão foi de Filipe Lobo d’Ávila, a terceira via, que confirmou que irá a votos e que se afirmou como a solução de “união” -, Rodrigues dos Santos leva vantagem. Houve muitos momentos de apoteose entre os seus fiéis, até porque, aos poucos, os principais subscritores das moções foram abdicando a seu favor. Como se previa, o porta-voz da Tendência Esperança em Movimento, Abel Matos Santos, renunciou a favor do presidente da JP. E Carlos Meira não clarificou o que fará.
Antes do jantar, Almeida e Rodrigues dos Santos voltaram a atacar-se. O primeiro por não aceitar que haja mordaças ou grilhões dentro de portas, ainda em alusão ao episódio com Pires de Lima; o segundo por recusar a visão de “um CDS bom e de um CDS mau”, a imposição de uma espécie de “centralismo democrático” à la PCP e as táticas dos que “desqualificam o outro” para valorizar o seu candidato.
Os trabalhos foram interrompidos pouco antes das 22h, pelo presidente da mesa do Congresso, Luís Queiró. Ao mano a mano segue-se o voto. Lobo d’Ávila recuperou palavras do homem que mais mexe com a alma dos democratas-cristãos. Foi lapidar: “O que diria Adelino Amaro da Costa do espetáculo que demos esta tarde?”