Até ver, estão enterrados os machados de guerra. Esta noite, num hotel em Lisboa, Luís Montenegro foi lesto a assumir a derrota nas diretas para a presidência do PSD, mas no discurso pediu a Rui Rio que contribua para que a paz seja duradoura. O ex-líder parlamentar dos sociais-democratas socorreu-se da célebre tirada de Mark Twain para avisar que vai andar por aí – como um dia disse Pedro Santana Lopes -, mas apelou, sobretudo, à unidade interna. Todos são responsáveis por esse “desiderato”, salientou, especialmente o líder.
Perante mais de uma centena de apoiantes que gritavam “PSD, PSD, PSD!”, entre os quais se incluíam várias caras conhecidas do partido – de Maria Luís Albuquerque a Paula Teixeira da Cruz, passando por Teresa Morais, Hugo Soares, Margarida Balseiro Lopes, António Leitão Amaro, Luís Campos Ferreira, Nilza de Sena, Pedro Pinto, Pedro Alves ou Ângelo Pereira -, Montenegro garantiu, em resposta aos jornalistas, que é prematuro passarem-lhe a certidão de óbito. “Não vale a pena anunciarem a minha morte política, creio que essa notícia é manifestamente exagerada”, advertiu o advogado, que nas diretas obteve perto de 47% das preferências dos militantes.
Afirmando estar “disponível para ajudar” o PSD e mostrando-se aberto a partivcipar “nos combates que o partido travar, na medida em que o partido quiser e solicitar”, Montenegro sublinhou que regressará “de consciência tranquila à condição de militante de base”, uma vez que não é “político de profissão”. É-o, acrescentou, “por missão”, pelo que não apresentou sinais de desassossego em relação aos tempos vindouros.
Para o futuro imediato não reivindicará nada que a sua “condição” de delegado ao Congresso (marcado para 7, 8 e 9 de fevereiro, em Viana do Castelo) não lhe permita. Irá ao conclave, dará a sua “opinião” e o seu “contributo” e nada mais. “Esgoto aí a minha participação no Congresso, e creio que já não é pouco”, observou, demarcando-se de qualquer hipótese de construir listas para os órgãos nacionais a meias com Rio.
Cargos, é certo que não quer – realçou até que a discussão sobre uma eventual candidatura autárquica “não se coloca” -, mas, mesmo de fora, vai estar vigilante à atuação do adversário que o venceu na segunda volta das disputa interna. Sem fazer uma radiografia ao que “falhou” na sua candidatura, lembrou o líder reeleito que “o partido deu-lhe uma nova oportunidade de inverter o ciclo de maus resultados” que marcaram o primeiro mandato.
Chamando “companheiro” a Rio – que saudou, assim como Miguel Pinto Luz -, desejou que “possa ser bem-sucedido” nas eleições regionais dos Açores (que acontecerão ainda em 2020) e nas autárquicas do próximo ano. E essa forma de pressão foi acompanhada de um recado: “Não pondo em causa de maneira nenhuma os resultados de hoje, mas com a responsabilidade e legitimidade de representar cerca de 47% dos militantes que se expressaram, peço ao dr. Rio Rio e à nova direção que saibam interpretar os resultados eleitorais que o PSD teve no último ano e aquilo que resulta da avaliação que os militantes hoje fizeram nas urnas. É importante que esta interpretação seja feita.”
A concretização do remoque chegou logo a seguir. “É importante que o PSD tenha paz e unidade. Todos temos de contribuir para acabar com a cultura de fação, divisões insustentáveis e agressividades intoleráveis”, atirou, atribuindo de pronto especiais responsabilidades nesse aspeto a uma pessoa: “Essa unidade começa na liderança e no líder. Espero que o dr. Rui Rio tenha a capacidade de devolver a unidade ao PSD.”
O objetivo último, esse, é que o PSD “possa constituir-se como oposição firme” a António Costa e ao PS e tenha “uma alternativa política diferenciadora” face à maioria de esquerda recentemente eleita para o Parlamento. Os sociais-democratas, defendeu Montenegro, devem assegurar a “confiança maioritária” do eleitorado português e, por maioria de razão, não esperar que poder lhe caia ao colo por força de qualquer cenário de crise. “O PSD não está condenado à fatalidade de governar em tempos de emergência”, sintetizou, muito aplaudido.
No final, houve muitos abraços e agradecimentos. O ambiente pesado era difícil de disfarçar, até porque desde que Pedro Passos Coelho deixou a liderança Montenegro era visto como a cartada mais alta do chamado passismo para destronar Rui Rio. E o ciclo eleitoral interno fecha-se de forma sintomática: com quadros destacados do partido, como Miguel Relvas ou Carlos Carreiras, a advogarem o regresso do antigo primeiro-ministro.