O tom da resposta não fica a dever nada à dimensão da crítica. Mário Centeno diz-se “perplexo” com Rui Rio e sugere que ou o líder do PSD “não sabe nada de Economia – muito menos de Finanças Públicas – ou nunca viu fazer um Orçamento do Estado”. Foi o take 2 de um filme que começou a ser rodado esta terça-feira, quando Rio acusou o ministro das Finanças de apresentar, no OE, um diferencial de quase 600 milhões de euros entre a despesa prevista e as verbas que sabe, à partida, que nunca serão gastas.
Primeiro, a acusação de Rui Rio. No jantar de Natal com os deputados do PSD, o líder social-democrata usou a tal expressão – “fraude democrática” – no discurso em que, sem assumir abertamente o chumbo, foi ensaiando os argumentos que poderão justificar o voto contra que o partido estará a preparar para o Orçamento do Estado para o próximo ano. A diferença entre despesa autorizada e verbas congeladas foi um dos pontos centrais da intervenção. De papéis na mão, e referindo-se ao relatório do OE apresentado esta semana, Rui Rio, citado pelo Observador, chamou atenção para dados alegadamente divergentes: “Se olharmos para o défice em contabilidade pública do quadro 6.1, [esse valor] não corresponde ao défice em contabilidade pública do quadro 3.4: evaporam-se 590 milhões de euros de uma página para outra.”
A análise prolongou-se por mais alguns minutos, para levar à conclusão de que, de acordo com o documento, ou o Governo contabiliza despesa que sabe que não vai executar ou, em alternativa, e assumindo que executa essa despesa, falha o “histórico” excedente orçamental e acaba o ano com um ligeiro défice. É aí que reside a “fraude” denunciada pelo líder social-democrata.
A reação de Mário Centeno surge na primeira pessoa, na entrevista que o ministro dá ao Expresso, e que será publicada na íntegra este fim de semana. Centeno ouviu Rio e, diz, ficou “verdadeiramente perplexo” com o que escutou. “Fico verdadeiramente perplexo porque, ou o dr Rui Rio não sabe nada de Economia – e muito menos Finanças Públicas –, ou nunca viu fazer um Orçamento do Estado. Eu diria que nunca viu um Orçamento. É verdadeiramente uma coisa que me deixa perplexo”, disse o responsável das Finanças.
A explicação técnica veio logo a seguir. “O Orçamento autoriza limites de despesa, essa autorização reflete-se nas contas públicas em contabilidade pública. A passagem da contabilidade pública para uma estimativa do saldo em contas nacionais obriga-nos a fazer uma passagem que tem regras estabelecidas (por exemplo na anualização) de algumas verbas”. Isso acontece, exemplificou, com receitas fiscais do ano seguinte que são contabilizadas no ano anterior. “E, numa lógica de caixa, que é onde a despesa é toda registada, é feito um ajustamento. E esse ajustamento tem a ver com uma estimativa (que é, aliás, o que está escrito numa nota que acompanha aquela tabela). Portanto, essa passagem para a contabilidade nacional estima-se do lado da despesa”, acrescentou Mário Centeno. “Quando tenho de estimar um saldo orçamental, tenho de ter duas coisas: a despesa autorizada e uma estimativa para este tipo de acontecimentos que são imprevistos e que não acontecem, não gerando despesa nesse ano”, disse ainda.
Conclusão: aquilo a que Rui Rio chamou “fraude democrática” é, para Centeno, resultado de um “complexo de Pavlov a palavras e, depois, não consegue entender o que são as regras de contabilidade pública e da contabilidade nacional”.
Esta não é, recorde-se, a primeira vez que os dois protagonistas se envolvem numa troca de argumentos. A mais recente tinha acontecido em plena campanha eleitoral para as legislativas, depois de o líder social-democrata desafiar o ministro para uma batalha de argumentos entre “Centenos” – o do Governo socialista e o seu ex-futuro-ministro das Finanças, Joaquim Sarmento. O debate nunca chegou a acontecer, mas nem por isso o governante deixou de tornar pública a sua análise do cenário macroeconómico que o PSD apresentou a votos. Um “passe de mágica”, uma “aldrabice”, uma receita “totalmente inventada”, uma “ilusão”, adjetivou Centeno. O programa eleitoral do PSD “começa com cenário do Conselho de Finanças Públicas, mas acaba com o cenário do professor Pardal, uma invenção sem nexo nenhum”.
