O moral das tropas é dramático. Num inquérito dirigido aos oficiais dos três ramos, realizado pela Associação dos Oficiais das Forças Armadas (AOFA) e que é divulgado este sábado, 57% dos inquiridos assumem estar “insatisfeitos” ou mesmo “muito insatisfeitos” (21,3%) com a evolução da sua carreira militar. Pior: entre os oficiais no ativo que participaram, esse valor dispara para os 75%. E quase 28% assumem que, se tivessem de tomar a decisão hoje, não voltariam a ingressar nas Forças Armadas.
A AOFA arruma este conjunto de questões num grupo dedicado ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), mas o teor das respostas caberia melhor numa avaliação ao estado de espírito em que muitos dos oficiais – grande parte no ativo – se encontra. E o resultado reflete um desalento interno. Senão, vejamos.
Quando lhes é pedido para classificar o “grau de satisfação com a evolução e/ou perspetivas de evolução que têm/tiveram as suas carreiras militares”, mais de metade – exatamente 57,2% dos inquiridos – assume que se sente “insatisfeito” (o maior grupo, com 35,6% de respostas assinaladas) ou “muito insatisfeito”. Por contraste, apenas 16,7% garantem estar “satisfeitos” ou “muito satisfeitos” com a sua situação.
Os responsáveis pelo inquérito destacam, a este respeito, um dado relevante: é que mais de 75% dos oficiais no ativo assumem insatisfação com a sua carreira até ao momento ou com as perspetivas de evolução futura. “Uma realidade que tem tanto de preocupante como de verdadeira”, sublinha a associação.
Quase 30% não voltariam a ser militares
O dado apresentado mais à frente é revelador das implicações desse estado de espírito nos militares que servem, ou serviram, no Exército, Marinha e Força Aérea. Voltariam a servir nas Forças Armadas?, pretendia saber a associação de oficiais. E 27,5% dos inquiridos revela que “não” daria novamente esse passo, contra 58,6% dos militares que tomariam exatamente a mesma decisão que tomaram no passado. A situação, sendo “expectável” para a AOFA, é, ainda assim, “muito preocupante”.
Aos oficiais que admitem falta de interesse em ingressar na vida castrense, se chamados a tomar essa decisão agora, é preciso somar ainda os quase 14% que revelam dúvidas sobre a sua posição, optando por responder “não sei/não respondo” a esta questão.
Noutro nível, a AOFA procurou perceber se, fazendo uma análise da realidade interna da instituição militar que lhes é familiar, os oficiais aconselhariam outra pessoa a ingressar nas Forças Armadas. “Não”, responderam 36,8% dos 1105 participantes no inquérito, num universo equilibrado entre associados e não associados. E, ainda que 35,8% assumam claramente que dariam esse conselho de forma incondicional, há 15,7% de oficiais que até poderiam optar por sugerir a outros que ingressassem num dos ramos, mas sempre tendo em vista que mais tarde tentariam um lugar na Administração Pública (nomeadamente nas forças de segurança). Nunca com o o objetivo de prosseguir carreira como militares.
Tal como acontece em relação ao grau de satisfação com as carreiras, também aqui são os oficiais no ativo a contribuir para o cenário mais negativo: quase 48% destes militares recusam-se a aconselhar outras pessoas a ingressar na via castrense.
Mal vistos e com piores condições de trabalho
Numa ideia, os oficiais consideram que as condições de trabalho, de segurança e de operacionalidade pioraram nos últimos 10 anos. Talvez isso explique a razão pela qual a maioria dos inquiridos diz que tanto a imagem pública da instituição das Forças Armadas (69,5%) como a dos próprios militares (67,3%) é hoje pior ou muito pior que há uma década.
Indo por partes. No inquérito, a associação de oficiais pede aos inquiridos uma avaliação sobre a evolução das condições de operacionalidade, de trabalho e de segurança nos mesmo período, dez anos. A resposta dos militares revela um chumbo em toda a linha.
Nos dois primeiros casos, a taxa de reprovação (“piorou consideravelmente” e “piorou”) está perto dos 73%. Também negativa, a avaliação das condições consegue ser menos má. Quase 52% dos oficiais consideram que também estão piores ou muito piores. No melhor dos cenários, apenas 6% dos oficiais admitem que as condições nestes parâmetros estão substancialmente melhores.
Por tudo isto, a conclusão já não será recebida como uma surpresa. Apenas 8% dos militares defendem que, vista de fora, a sua imagem e a das Forças Armadas está “consideravelmente melhor”, numa comparação a dez anos.
O inquérito aos oficiais do Exército, da Marinha e da Força Aérea foi realizado entre 21 de outubro e 30 de novembro. Com dois objetivos: medir o pulso à recetividade dos oficiais (associados ou não da AOFA) face às propostas que a associação tem defendido nos últimos anos; e reunir material que permita “construir o ‘caderno reivindicativo da AOFA para a legislatura’” que acaba de arrancar. Cerca de 45% dos militares que participaram pertencem ao Exército, 30,5% à Marinha e 24,6% à Força Aérea. Há um equilíbrio entre os oficiais na reforma (492) e no ativo (472), tendo ainda participado militares na reserva fora da efetividade (76), na efetividade (47) e abatidos aos Quadros Permanentes (18). A esmagadora maioria (721) são oficiais superiores, tendo ainda colaborado 59 oficiais generais, tal como estão em clara maioria os homens (94,5%).