À luz das três sondagens saídas no último dia de campanha, esta sexta-feira, o PS não obtém – e não obtém em nenhuma delas – a maioria absoluta. Na melhor das hipóteses, pode eleger 114 deputados, o que lhe daria a possibilidade de escolher com quem quer casar, para formar um Governo com apoio parlamentar maioritário: com o PCP, com o BE ou com o PAN. A 4.ª hipótese de casamento é a de repetir a geringonça tal como a conhecemos. Mas, no penúltimo dia, a campanha já dera o que tinha a dar. E nem o novo “clique da Marinha Grande” (agressão a Mário Soares que, em 1986,virou as presidenciais a seu favor), que António Costa quase reeditava, esta tarde (mas ao contrário…), no Chiado, teve qualquer interesse, para além do anedótico: a morte do último senador, Freitas do Amaral, faz-nos pensar como todas estas coisas têm tão pouca importância… O funeral é este sábado e o dia de reflexão pode ser aproveitado para refletirmos na transitoriedade da vida – sic transit gloria mundi.
Se isto fosse um campeonato…
O PSD seria o campeão em título – é o maior grupo parlamentar, saído das eleições de 2015, mesmo sem o CDS – mas o PS é o campeão de facto, por ter arrebatado, na secretaria das posições conjuntas, assinadas com o PCP, Bloco e Verdes, o campeonato de 2015. Candidatos ao título em 2019, os socialistas são favoritos indiscutíveis e o avanço pontual nas sondagens já lhes permite encomendar as faixas.
No entanto, a dobradinha – vitória eleitoral no campeonato e taça da maioria absoluta -, que estava tão ali à mão, parece, agora, impossível. O PSD de Rui Rio levará esse prémio de consolação, ao reduzir a diferença, nas últimas jornadas, disputadas durante a campanha eleitoral. A lesão de Tancos, o castigo do caso das golas – com um vermelho direto mostrado a um secretário de Estado – e as jogadas retóricas de Rui Rio nos debates, que mostrou alegria, criatividade e acutilância na marcação de alguns golos, parecem ter retirado a António Costa a possibilidade dessa dobradinha.
A lutar para não descer
CDU e CDS andam a tentar não descer (na votação) e já não vão abandonar as posições a meio da tabela. É que o Bloco de Esquerda parece ter ganho a luta pela Europa, sendo que o anunciado 3.º lugar dá acesso direto a uma competição no arco governativo.
Já o PAN, com o combativo André Silva a permitir-se criticar diretamente, com considerandos ideológicos, no último comício, todas as outras equipas (incluindo o clube satélite do PCP, Os Verdes, acusados pelo deputado ambientalista de obedecerem ao patrão comunista… ) não luta pelo título, tendo dito que não está a concorrer para primeiro-ministro nem, sequer, para integrar o Governo. Para já, o que lhe interessa é amealhar os pontos suficientes para garantir a manutenção, o que parece um dado adquirido.
A liga dos últimos
Na II Liga, disputada pelos partidos sem assento parlamentar, está em curso uma curiosa liguilha, disputada com grande equilíbrio entre Aliança, Livre, Chega e IL, todos com esperanças de elegerem um deputado. Mas a luta pela subida está difícil e, a acontecer, será sempre uma surpresa – porque a política é uma caixinha de surpresas. Senão, é levantar a cabeça e pensar no próximo jogo, daqui a quatro anos – ou nem tanto…
Velhas glórias e marcação homem-a-homem
O último dia da campanha trouxe ao palco as velhas glórias: Jorge Sampaio no tradicional almoço socialista da Cervejaria Trindade, no Chiado, Paulo Portas no repasto do CDS, em Setúbal, na última iniciativa dos centristas, que suspenderam as derradeiras horas da campanha para irem à missa de Freitas do Amaral, nos Jerónimos, e Manuela Ferreira Leite, numa iniciativa do PSD. Ontem, António Costa recebeu o apoio expresso de Manuela Eanes, mulher do antigo PR Ramalho Eanes, uma adepta que se julgava torcer por outro clube. E hoje, Rui Rio teve a visita de alguns críticos, como Miguel Pinto Luz, que, embora tenham outros projetos para o clube, não regatearam tirar os cachecóis do banho de naftalina onde estavam guardados desde que a equipa laranja é treinada por este mister. Pensando bem, se Rui Rio conseguir um bom resultado, cumprir-se-á outra regara da política: qualquer um pode passar de besta a bestial num instante.
Aliás, um dos factos mais interessantes desta campanha, foi a marcação homem-a-homem que o líder do PSD fez a Mário Centeno, considerado o Cristiano Ronaldo das Finanças e, portanto, merecedor de marcação cerrada. Rio teve a heresia de contestar o que parecia incontestável, considerando-o um jogador “tosco”, e provocou o craque adversário, tentando levá-lo a cometer algumas faltas. Identificado o principal ponta-de-lança de Costa, Rio não perdoou e sujeitou-o a permanente vigilância, tentando desacreditá-lo – ou, pelo menos, introduzindo uma dúvida razoável no espírito dos adeptos. O craque reagiu à cotovelada, acusando Rio de ser “como aquele comerciante que aumenta os preços antes dos saldos”, ou de vender “um carro velho e sem motor, com uma pintura novinha em folha”. Em suma, e com todas as letras, “uma aldrabice”. Falta para amarelo? O eleitor-árbitro decidirá se marca ou se deixa jogar: afinal (ainda) estamos em campanha.
Interrupções sem descontos
O jogo teve duas interrupções que muito influíram na marcha do marcador: primeiro, Tancos, que se tornou, durante mais de metade da campanha, o principal assunto discutido. Como um eucalipto, o tema secou tudo à volta e foi agarrado, sobretudo, pela direita, colocando o PS na defensiva. A outra interrupção fez com que se tornasse dispensável o período de descontos do último dia de campanha: Diogo Freitas do Amaral faleceu esta quinta-feira e os partidos travaram o entusiasmo – e as iniciativas. O tema sobrepôs-se na agenda mediática e quem não conseguiu vender, antes, a sua mensagem, já não irá a tempo.
Agora, a melhor homenagem a prestar à memória do último fundador do regime democrático é exercer a democracia… e votar.