Pelo trajeto mais rápido aconselhado pelo Google Maps, o Largo da Má Língua, na Figueira da Foz, e o Expocentro de Pombal estão separados por 46 quilómetros – meia hora, sem trânsito. Um tirinho… Contudo, se se estiver a falar da campanha eleitoral do PSD, de Rui Rio e de Luís Montenegro, não há A17 e IC8 que valham e os anos-luz transformam-se na unidade de medida mais adequada.
Na tarde deste domingo, 29, enquanto o presidente social-democrata andou pela Figueira (e, de seguida, por Coimbra), o seu maior opositor interno foi dar um empurrão à cabeça de lista de Leiria, Margarida Balseiro Lopes, e mostrar à família “laranja” que o avanço para a liderança é o segredo mais mal guardado desde que, no Congresso do ano passado, avisara que não pediria “licença a ninguém” quando achasse que tinha chegado a hora.
“Concentradíssimo” (Paulo Futre não conseguiria ser mais enfático) em dar um “humilde contributo” ao partido, que corre o risco de perder vários deputados nas legislativas do próximo domingo, Montenegro esforçou-se pouco por camuflar aquilo que não escapava aos olhares mais desarmados no gigantesco espaço em que decorreu a Feira Nacional do Artesanato e das Tasquinhas: estava ali em pré-campanha para a disputa interna que o partido deverá voltar a viver em breve. No fundo, foi o candidato em pele de “militante de base” (expressão do próprio).
A (ainda) incofessada vontade ficou patente nas respostas aos jornalistas. Quando interrogado se aparecera na estrada longe do líder para mostrar que diz “sim” a ajudar o PSD, mas “não” a colaborar com a atual direção, Montenegro foi cristalino, frisando estar a cumprir “à risca” uma “obrigação”: “Estive sempre disponível para o partido. Agora, ontem, e vou continuar a estar amanhã. O PSD é um grande partido e não há nenhuma circunstância, nenhum ego que caiba dentro do seu tamanho enorme. O PSD é muito maior do que qualquer um de nós.”
Seja como for, o povo apercebeu-se do móbil da visita. “Quando for presidente do partido, tem de ir a Vila Cã”, desafiou um social-democrata que circulava entre as bancas. Montenegro achou graça, mas, face à presença da VISÃO, devolveu de forma contida: “Não lhe posso responder, que está aqui a comunicação social…”
Tão-pouco os que o ladearam ao almoço – em que se deleitou com uma tiborna de bacalhau com batatas a murro – e na passeata de mais de três horas pelo certame se empenharam no disfarce. Pedro Pimpão, o cicerone de serviço, deputado que Rio deixou fora das listas e também presidente da Junta de Freguesia de Pombal, não se cansou se apresentar o antigo líder parlamentar como “uma visita especial”. E era, de facto.
Montenegro está longe de ser uma superstar ou um político dos afetos, mas, por comparação com o homem a quem quer suceder, o contacto com as pessoas é bem mais natural e fluido. Com ele, há distribuição de beijinhos e apertos de mão com maior espontaneidade, estendem-se os diálogos sem pressas ou formalismos, brinca-se quando a ocasião pede, sem receios dos microfones da rádio ou da televisão, e tira-se as costumeiras selfies (quase) sempre que é solicitado.
Entre as dezenas de stands que cruzou, o antigo chefe da bancada parlamentar experimentou de tudo. Dos característicos cardalinhos (pastéis de nata confecionados à moda de Pombal, batizados por serem produzidos no Largo do Cardal), cervejas artesanais, kiwizada (bebida produzida com base na fermentação do kiwi), ginjinha da Serra da Estrela e vinho local. Além de provar o que havia, Montenegro também serviu o que levava preparado: um cocktail de ataques a António Costa e de recados a Rui Rio.
Quatro anos volvidos desde a formação da “geringonça”, “o rei vai nu”, na perspetiva do antigo líder parlamentar, porque “por trás de uma pretensa ideia de sucesso que os socialistas, os bloquistas e os comunistas querem dar ao País”, o crescimento é dos mais tímidos da Europa, a carga fiscal atinge níveis históricos e os serviços públicos claudicam. “[Há um Governo feliz da vida a querer dizer às pessoas que vai tudo bem e vai tudo mal, incluindo dentro do próprio Governo”, disparou, referindo-se à demissão do secretário de Estado da Proteção Civil devido ao caso das golas anti-fumo e à dedução da acusação de Tancos, que considera não ter “paralelo na nossa história democrática”.
Embalado, garantiu não querer intrometer-se nos dossiês que dizem respeito a Costa e a Rio, mas adiantou que não o “repugna” que seja lançado um novo inquérito parlamentar ao desaparecimento do material militar e às subsequentes manobras de encenação no achamento, uma vez que a primeira comissão foi “excessivamente politizada e partidarizada” e “adulterada” pelos partidos que suportam o Executivo socialista. A campanha, essa, foi irremediavelmente “intoxicada”, sublinhou.
Quanto ao líder social-democrata, também ficou com as orelhas a arder. Montenegro não quis alimentar a conversa da hipocrisia sobre os críticos que têm dado a cara na campanha e recomendou recato a Rio: “O presidente do PSD disse ontem [sábado, em entrevista à RTP], com muita propriedade, que as questões do foro interno não se devem tratar na praça pública, e muito menos a oito dias das eleições. Isso deve aplicar-se a todos, incluindo à direção do partido.”
Feitos os remoques para dentro e para fora, chegaram os elogios de quem trabalhava nas tasquinhas e fazia uma pausa, já perto das 18h, para retemperar. “Tem um ar muito parado na Assembleia da República. Aqui está muito mais fresco”, atirou. Montenegro aproveitou para mais uns segundos de campanha: “Vê, não há nada como conhecer as pessoas ao vivo!”
Quem também lhe surgiu ao caminho, em dois momentos, foi uma equipa da CDU, encabeçada pelo eurodeputado João Ferreira e por Ângelo Alves, membro da Comissão Política do Comité Central, mas sem a primeira candidata pelo distrito, a deputada Heloísa Apolónia. No segundo cruzamento do chamado “vodka-laranja”, num expositor de queijos e enchidos de comerciantes da Almagreira, as comitivas dos sociais-democratas e dos comunistas ainda se digladiaram para seduzir Marlene Matias, socialista e suplente do executivo de Pombal. “Sou muito sincera, não sei em quem vou votar, mas não quero maioria absoluta”, disse a antiga vereadora, sem reservas. Era música para os ouvidos de Montenegro e Ferreira (reiteradamente incluído no rol de potenciais sucessores de Jerónimo de Sousa).
Em Leiria, distrito onde o PSD costuma ser feliz, a cabeça de lista tem sido acusada de dar palco aos mais ferozes opositores de Rio. Uma fonte da direção, citada pelo Diário de Notícias na semana passada, defendeu que Margarida Balseiro Lopes estava a afrontar a cúpula partidária. A presidente da JSD não subscreve e assegura que só tem convocado para a campaha “pessoas altamente respeitadas” – de Luís Marques Mendes a José Pedro Aguiar-Branco, passando por Teresa Morais, José Eduardo Martins ou Hugo Soares – e “disponíveis para dar o seu contributo”. Chamou-lhes até uma “bolsa de grandes personalidades”, aparentemente indiferente às guerras palacianas.
Já Montenegro voltou para casa com motivos para sorrir. Na fotografia de família, ao final da tarde, desafiaram-no para se juntar à líder da JSD e aos presidentes da Câmara de Pombal, Diogo Mateus, e das juntas de Pombal e da Almagreira, Pedro Pimpão e Humberto Lopes, respetivamente. Chamaram-lhe “a foto dos presidentes”. Um lapsus linguae para o qual Freud teria seguramente uma explicação…