O nome para as eleições legislativas de outubro foi aprovado pela concelhia do PSD de Ovar a 30 de maio e proposto ao presidente da distrital de Aveiro quase uma semana depois, a 5 de junho. Mas, à VISÃO, Salvador Malheiro, líder do PSD/Aveiro e vice-presidente de Rui Rio, garante que a proposta “não vale nada” – mesmo que o nome avançado seja o do seu braço direito na Câmara Municipal de Ovar, Henrique Araújo.
No documento, Pedro Coelho, líder do PSD/Ovar, propõe Henrique Araújo para um “quarto ou quinto lugar” nas listas que a distrital de Aveiro vai apresentar para as legislativas, o que colocaria Araújo em lugar elegível, a julgar pelos resultados de 2015, quando o partido conseguiu oito deputados no distrito (e o CDS, que concorria coligado, elegeu dois). A carta que Pedro Coelho enviou à distrital, com a proposta para as listas, indica que o nome de Araújo terá sido aprovado “por unanimidade” pela concelhia.
Mas a VISÃO apurou que houve pelo menos duas posições divergentes na reunião da comissão política daquele dia: os dois membros da JSD com assento na concelhia não deram luz verde à proposta, optando pela abstenção. Além disso, o ponto nem sequer constava da ordem de trabalhos enviada aos militantes e foi já durante a reunião que vários dos sociais-democratas da secção local foram confrontados com a intenção de avançar de imediato com a votação.
Do ponto de vista formal, Salvador Malheiro lembra que era preciso cumprir outro requisito, o que sugere desconfiança quanto à forma como o processo decorreu em Ovar. “A proposta [do nome da concelhia] tem de vir com uma ata anexada a demonstrar que houve, de facto, reunião naquele dia” e que o processo de aprovação do nome cumpriu as regras.
Fora de questão parece estar uma candidatura do próprio líder do PSD/Aveiro à Assembleia da República. O perfil definido pela direção nacional do PSD afasta a possibilidade de presidentes de câmara em exercício incluírem os seus nomes nas listas às legislativas. Malheiro ressalva que “os autarcas podem sempre abdicar dos mandatos e que só não podem acumular os dois cargos”, mas distancia-se desse cenário. “Sempre disse, e mantenho, que o meu mandato em Ovar é para levar até ao fim, não estou disponível para o lugar” na Assembleia da República, garante.
Decisão só “na devida altura”
O dirigente do PSD ficará, por isso, na sombra a tomar decisões sem ir a jogo. À VISÃO, Malheiro assegura que o nome proposto pela concelhia “não vale de nada”. E apresenta duas razões para sustentar essa posição: por um lado, a assembleia distrital do PSD/Aveiro ainda não se pronunciou sobre o perfil que a direção do partido definiu para a escolha dos candidatos às legislativas de outubro (esse parecer só será dado esta sexta-feira, ainda que não se prevejam objeções); por outro lado, a indicação dada às concelhias para a elaboração das listas referia expressamente que deviam ser apresentados dois nomes, o de um homem e o de uma mulher – e apenas Henrique Araújo consta da proposta enviada por Pedro Coelho. Rui Rio estará interessado em reforçar a paridade na bancada social-democrata e em dar mais palco a caras novas e a independentes e, como braço direito do líder do partido, Malheiro terá de prestar particular atenção a esse ponto.
O líder do PSD/Aveiro recorre ainda ao cronograma aprovado pela direção nacional. Só entre os dias 17 e 24 de junho serão analisadas as propostas das concelhias sociais-democratas. A VISÃO sabe que, além de Ovar, também Santa Maria da Feira e Anadia já apresentaram as respetivas propostas, mas a resposta da distrital será exatamente a mesma: valem zero. “O que me chegou até ao momento não conta para nada”, sublinha Malheiro, travando (pelo menos, por agora) as pretensões do seu adjunto de conseguir um lugar no Parlamento em outubro.
Sobre decisões futuras, o “vice” de Rui Rio não abre o jogo. “Não faço ideia de qual será o nome formalizado por Ovar, mas essa é uma questão a ser ponderada na devida altura”, limita-se a dizer.
Recompensa pelo “apoio e empenho pessoal”
Para fundamentar a decisão de 30 de maio, o presidente do PSD/Ovar indica os cinco critérios que estiveram na base da escolha do vice-presidente da concelhia: o “reconhecido empenhamento” de Henrique Araújo “na defesa do interesse nacional e espírito de serviço ao país”, a sua “qualidade e competência política, bem como preparação técnica adequada” (e, aqui, elencam-se as funções que o número dois do PSD/Ovar assumiu nos últimos anos), o alegado “prestígio nacional ou local” de Araújo, que seria “potenciador de alargamento no apoio eleitoral do PSD”, a “aceitação das normas estatutárias e legais inerentes ao exercício da função de deputado” e a “concordância” com a linha estratégia e programática do líder do PSD, além da “disponibilidade para cooperar de forma politicamente leal e solidária” – um argumento que, de acordo com o documento que a VISÃO consultou, Pedro Coelho considera ser “inquestionável”.
Aliás, neste último ponto, o líder da concelhia faz questão de recordar a distrital (e, portanto, Malheiro) de que Henrique Araújo “foi peça fundamental na eleição do líder, Rui Rio”, e que “tem dado um inquestionável apoio e empenho pessoal” ao próprio vice-presidente do partido. A carta assume mesmo um tom de ultimato: “Cremos e estamos certos de que chegou agora o tempo do merecido reconhecimento de todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos em Ovar.”
Mas Pedro Coelho não se limita a apontar o nome de Araújo. O dirigente social-democrata manifesta a sua “esperança e a sua determinação (…) na colocação” do seu vice na concelhia “em quarto ou quinto lugar na lista final de candidatos a deputados pelo círculo de Aveiro”. A proposta tem agora de ser validada pelo presidente da distrital, mas isso só acontecerá durante a próxima semana.
Como a VISÃO já escreveu, estão neste momento em fase avançada de investigação vários processos judiciais que envolvem os diferentes protagonistas do PSD de Aveiro. Além do autarca, o seu adjunto na câmara (agora apontado às listas por Aveiro), Henrique Araújo, é também suspeito da prática de vários crimes, entre peculato de uso, falsificação de documentos, entre outros. Também o líder do PSD/Ovar, Pedro Coelho, está a ser investigado, depois de a Safina, uma empresa gerida pelo social-democrata, ter beneficiado diretamente e indiretamente de contratos de cerca de 2 ,2 milhões de euros para a instalação de relvados sintéticos nos clubes desportivos do concelho.