O ânimo (ou falta dele) dos delegados e observadores que abandonavam o Centro de Congressos de Lisboa refletia bem o que tinha acabado de acontecer na sala: Rui Rio esteve longe de galvanizar as tropas do PSD durante os 48 minutos do discurso que encerrou o conclave. Quem lhe conhece o estilo não estaria à espera de algo substancialmente diferente, mas a verdade é que poucas novidades resultaram da intervenção do recém-empossado presidente do partido.
Da longa intervenção perante os congressistas, escrita em 18 páginas, sobressaíram duas preocupações: a de fazer um mea culpa visando aqueles que foram mais sacrificados pelos anos de chumbo da troika em Portugal e uma tentativa de reconciliar o PSD com a classe média. Traduzindo, Rio quis fazer um mea culpa pela governação de Pedro Passos Coelho, sem deixar de assumir esse legado para se diferenciar da atual maioria de esquerda.
Para o presidente do PSD, há temas em que o País não pode estar à espera de António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa e quis assumir-se como o agente da mudança, “roubando” inclusivamente algumas bandeiras a Assunção Cristas – com a presidente do CDS sentada na fila da frente.
Rio evitou as questões internas – não caiu na tentação de responder aos críticos ou de serenar aqueles que vaiaram a sua vice-presidente Elina Fraga – e também não enunciou um programa de Governo – longe disso -, mas focou-se na identificação das áreas em a máxima de guardar para amanhã aquilo que pode ser feito hoje poderá condenar Portugal a permanecer no segundo pelotão dos países europeus.
Na Segurança Social, recuperou o antigo repto de Passos Coelho aos restantes partidos políticos, especialmente ao PS, para que se avance com uma reforma que garanta a sua sustentabilidade. “É este o desafio que o PSD faz ao Governo, aos demais partidos e aos pareceiros sociais”, disse o líder “laranja”, uma vez que a considera “imprescindível” e sempre defendeu entendimentos de regime em matérias estruturantes. Rio pretende que o pacto seja o mais alargado possível de forma a garantir “um olhar atento” sobre a saúde a longo prazo do sistema de pensões.
Identificou os problemas, reconheceu que há uma melhoria em relação a anos anteriores – ainda que ténue – e sugeriu que se estudassem outras fontes de receitas. “As receitas provenientes da TSU não são suficientes para financiar todas as despesas”, considerou. Depois de lançar o tema tentou amarrar os destinatários da sua mensagem, classificando-o como “um imperativo moral e ético”. Na plateia, representantes do PS, do PCP e do PEV – o BE não se fez representar -, bem como dirigentes sindicais e responsáveis pelas confederações patronais ouviram o recado.
Contudo, foi com a educação que Rio arrancou o maior aplauso dos congressistas. A chave foi criticar a estratégia do Executivo socialistam “de reverter alguns avanços significativos” e elogiar os resultados obtidos no setor sob orientação de Nuno Crato.
Rio entende que a governação socialista nesta área “não é motivo para Portugal se orgulhar.” Criticou as alterações legislativas “a meio do ano letivo”, falou de “experimentalismo pedagógico”, acusou o Executivo de uma teimosia “de tudo mudar sem diagnóstico rigoroso” e lembrou, num raro soundbite, que “os professores são profissionais do conhecimento e não animadores de salas de aula”.
Os remoques mais incisivos surgiram, ainda assim, quando fez o diagnóstico ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), sobre o qual inúmeros congressistas se debruçaram ao longo deste fim de semana. “Se há área onde, manifestamente, a atual solução governativa não tem capacidade para dar uma resposta capaz aos anseios das populações é seguramente a área da saúde”, sustentou o ex-autarca do Porto, antes de apontar o dedo à geringonça pelas “urgências caóticas”, pela “falta de recursos humanos” passando pela “desertificação de médicos no interior”.
Um rol de insuficiências a que Rio que pôr cobro e que o levaram a “exigir do Governo medidas que voltem a dar ao SNS eficácia.” E houve tempo para outros alertas: em primeiro lugar para a possibilidade de as clínicas e hospitais privados poderem “coabitar” com o serviço público; em segundo, para a necessidade de reforçar as redes de cuidados integrados e de cuidados paliativos; e, por último, para a importância de criar condições para assistência médica ao domicílio, valorizando os cuidadores informais.
E se o Estado tem falhado nas chamadas áreas de soberania – como aconteceu com a tragédia dos incêndios florestais ou do desaparecimento de material militar de Tancos -, Rio não desperdiçou outra oportunidade para o assinalar. Na defesa, na segurança ou na justiça, “Portugal tem vindo a acumular deficiências”, motivo suficiente, na opinião do presidente do PSD, para dizer que “precisamos de arrumar a casa”.
“O Estado não é forte quando se mete em tudo e – por tudo e por nada – impõe regras e burocracia aos cidadãos. O Estado é forte quando liberta, o mais possível, o cidadão do seu jugo, e quando, o mais possível, o defende e protege”, realçou.
Também por isso, destacou, é importante desistir de ter um “País irracionalmente concentrado e centralizado”, agravando as assimetrias regionais (verificáveis maioritariamente entre o litoral e o interior), e lamentou que ainda exista uma “visão paroquial” imposta a partir de Lisboa.
A fechar o capítulo da descentralização apelou a que partidos se entendam, de uma vez por todas, em torno de “soluções que garantam mais eficácia, mais controlo financeiro e regras mais apertadas” no que toca à despesa da administração central. Não concretizou. Estaria a falar de alguma espécie de limitação constitucional ou numa lei de valor reforçado ao défice?
Ora, numa fase em que os dados económicos são positivos, Rio recusou negar as evidências (embora tenha evitado grandes dissertações sobre o assunto). No entanto, não deixou de considerar que o crescimento é menor do que aquele que poderia ter sido atingido e observou até que o bom resultado “já está a definhar”.
O erro, justifica, prende-se com o facto de o motor do crescimento ter sido “o consumo.” “O aumento do consumo privado tem de ser consequência do crescimento económico e não o seu principal motor”, resumiu. Como solução, identifica as áreas nas quais a governação deve concentrar esforços: a inovação, a competitividade e o conhecimento. E, mesmo reconhecendo a necessidade de manter a aposta no turismo, criticou a “excessiva dependência” face a esse setor.
Começa assim a era pós-Passos, em que as mexidas, até ver, prendem-se mais com protagonistas do que com a mensagem. E, por falar em protagonistas, no encerramento do 37.º Congresso Nacional do PSD, houve quem reparasse que o líder parlamentar cessante, Hugo Soares, não foi chamado ao palco quando a Comissão Política Nacional foi convocada a ladear Rui Rio. As tréguas foram decretadas, mas as facas prometem continuar longas.