Numa declaração enviada às redações, a Amnistia Internacional Portugal considera “abusiva” a “citação de documentação histórica e religiosa sem ter em conta o devido contexto e enquadramento histórico e religioso”, classificando os fundamentos do polémico acórdão o Tribunal da Relação do Porto “como violadores das obrigações internacionais a que Portugal está vinculado”.
No acórdão, são invocados a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra uma mulher por parte do marido e do “amante”.
“O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem” é uma das frases que se pode ler no documento, que lembra ainda que “sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte” antes de acrescentar que “na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”.
A Amnistia Internacional lembra que “apenas têm valor de lei os diplomas em vigor ao tempo da sua aplicação e não os diplomas legislativos que estejam revogados”, como é o caso do Código Penal Português de 1886, citado no acórdão. “A sua utilização revela a ineficácia da justiça portuguesa”, lamenta.
A organização considera ainda preocupante a citação da Bíblia, tanto pela “manifesta violação do princípio da separação entre Igrejas e Estado”, como pelo “abuso” que o uso de textos religiosos representa face a quem professa essa religião.
“Usar como atenuante de um crime de violência doméstica “a deslealdade e imoralidade sexual da assistente”, pela assunção de que “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente” vai contra preceitos básicos de respeito pela dignidade humana e pelo Estado de direito, uma vez que se afasta a aplicação da lei para se decidir com base em pretensas regras de moral societária”, lê-se ainda no comunicado, que termina com um apelo aos “órgãos competentes” para que façam “cumprir as obrigações internacionais a que Portugal está adstrito”.