Mário Centeno foi esta manhã à Comissão parlamentar de Orçamento e Finanças para debater a “política geral do Ministério e outros assuntos de atualidade.” E bem pôde utilizar os seus 15 minutos iniciais (mais o tempo à sua disposição, aos longo das quatro horas, para responder às questões dos deputados) a apresentar “os dados [que] mostram que a economia portuguesa está em aceleração, em crescimento”, que o PSD desarmou. Sabendo que as mensagens do ministro com o ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), António Domingues, não teriam de ser tornadas públicas, o PSD (e o CDS) mantiveram-se firmes no seu propósito de pedir de explicações sobre todo o caso. Mas porque um ataque nunca vem só e porque eram os números que ali tinham reunido tantos parlamentares, a oposição agarrou-se ainda às previsões do cenário macroeconómico (que eram mais ambiciosos) para demostrar que os sucessos do governo eram, afinal, um resultado “medíocre”.
O ministro das Finanças destacou ter-se alcançado o défice mais baixo da democracia (2,1%), um crescimento (de 1,4%) sustentado, haver mais emprego e ter-se atingido a taxa de desemprego mais baixa desde 2010, entre outros indicadores, como o investimento e as exportações, resultados que, no seu entender, deviam “ser valorizados por todos”, por se tratar de um “esforço continuado da administração e de todos os portugueses”.
Mas a oposição não fez caso. Passou ao ataque. “De autoridade arrasada”, é como o deputado social-democrata António Leitão Amaro olha para o ministro, que está “enredado não num, mas numa sucessão de situações, confusões, equívocos, que o colocaram preso por arames”. E logo apontou baterias ao Caixagate: “O que escondem?”, questionou, uma pergunta que voltaria a ser ouvida, mais do que uma vez, ao longo das quatro horas que durou a audição. “Que regime democrático credível vive com esta falta de opacidade?”, lançou. Mas o conjunto de perguntas acabaria com “atuou com ou sem o apoio do primeiro ministro?” Nas respostas, Centeno repetiu os números, mas sobre o caso Caixa – e em particular o papel de António Costa em todo o processo – nem uma palavra.
Pelo CDS, coube a Cecília Meireles insistir, desafiando Centeno a esclarecer, ali, no seio da Comissão, todos os factos relativos à já longa história em que está envolta a CGD. Garantindo que “se [o ministro] tivesse candidamente dito a verdade, não estávamos aqui a debater estas questões”, para logo lançar o desafio: “Ainda está a tempo de reganhar pelo menos uma centésima da credibilidade que perdeu nas últimas semanas”. Olhando para trás, a deputada centrista relata que “o senhor ministro passou de uma primeira fase de esconder a realidade para uma segunda fase de fingir que a realidade pura e simplesmente não está a acontecer. E está quase a entrar na terceira fase, numa realidade alternativa”.
O que valem os números
Em defesa do ministro saiu, de imediato, João Galamba, deputado socialista e um dos economistas que fez parte do grupo que, com Centeno, criou o cenário macroeconómico do PS. Recordando que Pedro Passos Coelho, um ano antes, havia recorrido a Churchill para atacar o Governo, Galamba leu a mesma citação – “Deve-se olhar para os factos porque eles olham para nós” – e aconselhou Leitão Amaro (em particular) e o PSD (em geral) a “seguir o conselho” do líder laranja e a ter “pudor quando acusa o ministro das Finanças que fez, em todas as áreas”, aquilo que o PSD sempre disse que o Governo “não ia conseguir fazer”. Da prelação de João Galamba também saiu um desafio (a António Leitão Amaro): “Devia ter a humildade e assumir aqui, perante o senhor ministro das Finanças, que errou, e reconhecer que os resultados são bons.”
Mas os números de Centeno não convenceram o PSD. Inês Domingos acusou o ministro de ir “buscar o número que dá jeito naquele momento para apresentar uma visão positiva” da realidade, para logo de seguida destacar o aumento da dívida pública, que se encontra “acima dos 130% em percentagem do PIB” ou o adiamento dos “pagamentos antecipados ao FMI, desperdiçando a oportunidade de fazer poupanças em juros”. “Manipulação de números”, diria Leitão Amaro, na última das três rondas de perguntas.
E o BE e o PCP, nisto tudo? Mariana Mortágua, colocando-se ao lado da direita, garantiu que “o BE não aceita o estatuto de exceção nem a visão de uma administração da Caixa [Geral de Depósitos] privatizada” e que essa é uma “divergência política que deve ser discutida politicamente”. Mais, deixou o aviso de que essa divergência “terá consequências práticas sempre que o BE for chamado a decidir, votar ou pronunciar-se” sobre o assunto. No entanto, apesar de tudo, de todas as divergências, disse, nada “justifica um processo de tiro ao alvo” que “só fragiliza o banco público”. E avançou uma explicação para o que está em cima da mesa: “É a falta de política [da direita] que justifica a chicana”, concluiu.
Posto isto, aproveitou para fazer uma exigência ao ministro: “se há aposta na recuperação de rendimentos e se esta identificado que está a dar resultados positivos, tem de ser consequente com uma política orçamental – devia investir-se nos serviços públicos.”
Já o PCP, pela voz de Paulo Sá, considera que um “crescimento de 1,4% é insuficiente.” Empenhado que está o PCP na aceleração das políticas de reposição de direitos e rendimentos, lamenta os “obstáculos e constrangimentos” [vindos da UE] e recorda que o PCP defende a necessidade “de romper com esses constrangimentos”, condição necessária, no seu entender, “para um crescimento económico mais significativo e maior criação de emprego.” Ficou dito.
Sobre a Caixa, de Centeno não se ouviu uma palavra.