Foi Bianca, mãe de Cristóvão, quem decidiu apresentar queixa. O filho, então com 14 anos, viria a contar todos os detalhes ao juiz depois de os contar à mãe. De como em Vila do Conde foi abordado por João, um adulto com sotaque, com quem nessa e noutras vezes teve “conversas banais”, e como num determinado dia de Maio acabou arrastado para o sofá da casa dele. De como no interior da casa, João terá começado a fazer-lhe perguntas de caráter íntimo: se já tinha tido sexo com a namorada, se já tinha “pelos no saco” e qual o tamanho do seu pénis. Enquanto fazia estas perguntas, João iria colocando a perna dele sobre a perna de Cristóvão, ao mesmo tempo que lhe colocaria uma das mãos por baixo da camisola, constatando que tinha muitas espinhas e dizendo: “Apetece-me tirar-te essas espinhas todas.” Quando Cristóvão já tremia, João ainda terá tentado uma última investida, demorando as mãos durante alguns segundos na zona genital do menor, por cima das calças. “Paralisei”, recorda Cristóvão. Foi assim até ao momento em que, num repente, pegou no telemóvel para ver as horas e disse que tinha de se ir embora.
Bianca decidiu denunciar quando Cristóvão lhe contou a história. Não só pelas suspeitas de que o filho tinha sido vítima de atos de cariz sexual por parte de um adulto, mas também pelas suspeitas de que poderia haver mais vítimas. É que, contou Cristóvão, durante o período em que esteve em casa de João, o suspeito ter-lhe-á confidenciado que costumava estar com miúdos da sua idade e tinha “muita proximidade” com crianças. Bianca terá ainda conversado com vizinhos, vindo a apurar que João teria comportamentos pouco adequados para um adulto, passaria longos períodos de tempo junto à escola, tiraria fotografias com o telemóvel a menores e, durante a época balnear, já teria sido visto a observar crianças do pré-escolar ou do infantário na praia ou à conversa com alguns miúdos junto à porta da sua casa.
Perante o testemunho do menor, os relatos dando conta de que João teria comportamentos impróprios para um adulto, e a possibilidade de aquele ter em sua posse fotografias ou vídeos de menores, o Ministério Público veio pedir buscas domiciliárias a casa do suspeito, e o quanto antes, para que a diligência não perturbasse o decurso da investigação. Só que essa vontade esbarrou na decisão de um juiz de instrução do Porto, que entendeu não haver indícios suficientes no inquérito que justificassem uma violação de privacidade.
Não conformado, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto. No acórdão que a VISÃO consultou, dois juízes desembargadores não pouparam críticas à atuação do colega, juiz de instrução, por entenderem que os factos relatados por Cristóvão e pela mãe eram suscetíveis de integrar um crime de atos sexuais com adolescentes “e eventualmente” um de gravação e fotografias ilícitas, razão pela qual as buscas eram adequadas “com a pretensão da descoberta e apreensão de objetos relacionados com um crime” e existia “uma proporção racional – uma “justa medida” – entre o custo” das buscas para o suspeito “e o benefício que se almeja obter para a investigação do crime, sendo que não há dúvidas de que os bens jurídicos protegidos pelo crime de abuso sexual de adolescentes são superiores à inviolabilidade do domicílio, mormente quando se leva em conta que o arguido, segundo o relatado, não teve pejo em aí praticar os factos indiciados”.
Além do mais, acrescentaram os juízes, “atentas as regras da experiência, mormente a regra da normalidade do acontecer [que nos dizem que é normal que o interesse do suspeito por adolescentes menores se reflita também noutras formas de atuação como sejam a captação de fotografias de menores, o seu uso indevido, ou a visualização e eventual armazenagem de pornografia infantil]” e o “relatado pelo menor e mãe do mesmo” é de prever que o suspeito possa ter “em seu poder fotografias de menores, ou mesmo que utilize, ou permita que outros utilizem fotografias de menores obtidas sem consentimento”.