O nome de uma misteriosa cabo-verdiana residente na Suíça foi apanhado inúmeras vezes na Operação Marquês, através das escutas telefónicas a José Sócrates e a Carlos Santos Silva. As conversas foram consideradas relevantes para a investigação porque o Ministério Público suspeita que os 92 mil euros que saíram das contas de Santos Silva, em modo “transferências bancárias” ou em pagamento de viagens a Sandra Santos, seriam afinal de José Sócrates. Durante os interrogatórios, os investigadores quiseram esclarecer dúvidas tão básicas como esta: como se conheceram? Uns tiveram mais memória do que outros, mas o mais provável é que até hoje a investigação não saiba ao certo quem apresentou quem a quem.
O procurador Rosário Teixeira e o inspetor da Autoridade Tributária Paulo Silva já tinham duas versões em cima da mesa – a de José Sócrates e a do amigo e empresário Carlos Santos Silva – quando ouviram Sandra Santos, a amiga residente na Suíça que, segundo o Ministério Público, terá recebido desde 2008 cerca de 92 mil euros do ex-primeiro-ministro. Por essa razão, poucos minutos depois do início da inquirição na qualidade de testemunha, a 6 de janeiro deste ano, Rosário Teixeira irritou-se com os alegados lapsos de memória da amiga do ex-primeiro-ministro, acabando mesmo por ter de lhe recordar que estava obrigada por lei a dizer a verdade.
Mas a verdade é que, sobre este ponto tão simples – como se conheceram? –, nenhuma das versões coincidiu. Sandra Santos disse que conhecera o empresário Carlos Santos Silva há dez anos, num jantar dado por pessoas cujo nome já não se recorda, a que foi com uma amiga chamada Fátima, “pessoa recente” nas suas amizades e que entretanto faleceu, numa casa particular algures em Lisboa. Só depois de alegadamente ter ficado amiga de Carlos Santos Silva, terá conhecido José Sócrates noutro jantar, também na casa de amigos. Mais uma vez, não se recordava dos nomes. O suficiente para Rosário Teixeira voltar a aborrecer-se: “Não sabe quem é que a convida, não sabe onde é que é, não sabe o nome dessas pessoas…”
Logo depois de Sandra Santos ter sugerido que, para facilitar, lhe fizessem uma pergunta de cada vez, porque não dava “importância aos pormenores” dos jantares, o advogado de defesa interrompeu para recordar que a visada estava “altamente medicada” e tinha sido alvo de internamentos, razão que poderia explicar os lapsos de memória. A amiga residente na Suíça pouco ou nada mais viria a adiantar, justificando apenas que a ajuda financeira vinha do empresário Carlos Santos Silva, que terá prometido ajudá-la assim que percebeu que estava a passar por dificuldades, algures em 2011 ou 2012.
Neste momento, as suas declarações já se tinham transformado num problema para os investigadores. Em quem deviam acreditar? É que, durante o primeiro interrogatório conduzido pelo juiz Carlos Alexandre e pelo procurador Rosário Teixeira, em novembro de 2014, Carlos Santos Silva, quando questionado sobre a sua relação com Sandra Santos, preferiu não pormenorizar o relacionamento, mas disse que a conhecia “há muitos anos”: não sabia era precisar se a conhecera antes ou depois de José Sócrates, sabia apenas que o primeiro a apresentá-los tinha sido outro seu amigo, José Paulo Pinto de Sousa, primo do ex-governante. Sandra Santos, por sua vez, nunca mencionou o nome de José Paulo.
Na memória de José Sócrates, – que também foi questionado em novembro sobre o mesmo assunto -, Sandra Santos já era sua conhecida não há dez, mas há 15 anos. Tinha-lhe sido apresentada por José Paulo Pinto de Sousa, e nessa mesma ocasião ao empresário Santos Silva. “Ela pede-nos ajuda financeira e eu já lhe disse há uns tempos que não tinha muitas condições para a ajudar, mas o Carlos sim.” Ou seja, insistiu Sócrates, sempre que Sandra, “amiga de há muitos anos”, lhe pedia ajuda, ele reencaminhava o assunto para Santos Silva. As análises aos movimentos bancários detetaram que as ajudas financeiras a Sandra Santos começaram a ser dadas em 2008. Confrontado com este elemento, José Sócrates voltou novamente a chutar para Santos Silva: nessa data estava muito ocupado, pois era primeiro-ministro.
Os pagamentos a Sandra Santos têm sido considerados relevantes pelo Ministério Público desde o início do processo porque, à semelhança do que acontece com os levantamentos em numerários feitos por Santos Silva e entregues diretamente a Sócrates, ou com a compra em massa do livro do ex-primeiro-ministro, “A Confiança no Mundo”, a investigação suspeita que seriam todas formas camufladas de dispor do dinheiro que, estando nas contas do empresário que foi administrador do grupo Lena, pertenceriam na verdade a José Sócrates.
O juiz Carlos Alexandre sublinhou num despacho episódios como este: “Entre o final de abril e o início de maio [de 2014], estando Sandra em Portugal, esta volta a contactar diretamente o Carlos, que tinha estado ausente do país, para lhe pedir dinheiro, sendo evidente que com quem estava, no dia a dia, era com José [Sócrates] Pinto de Sousa.”
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) delimitou um prazo para deduzir a acusação contra o ex-primeiro-ministro: José Sócrates deverá saber até 15 de setembro se vai ou não a julgamento e por que crimes. Está indiciado por fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais.