Um mês antes das eleições legislativas de outubro, António Costa, então candidato a primeiro-ministro, toma um café, num hotel em Viseu, com Ricardo Ângelo, o líder do movimento dos lesados do Banco Espírito Santo. Costa diz-lhe que, independentemente de vir a ganhar ou perder as eleições, está disposto a contribuir para encontrar uma solução e que entregaria o assunto a uma pessoa da sua inteira confiança. Era segunda-feira, início de setembro. Na terça, Diogo Lacerda Machado, 54 anos, advogado, telefona a um representante dos lesados, apresentando-se como mandatário de António Costa para aquele dossier.
Desde logo se estabelece o compromisso de que a equipa negocial dos lesados não revelaria com quem andava a falar. Lacerda Machado é assim: “hiperdiscreto”, não gosta de fotografias, não gosta de holofotes, prefere que não falem dele tudo o que é “ruído público” pode atrapalhar o caminho para atingir os seus objetivos numa negociação.
Ele é Diogo, o negociador. Esteve na “reversão” da privatização da TAP, levando o consórcio Gateway (de David Neeleman e Humberto Pedrosa) a entender-se com o Governo (e vice-versa). E está agora frente a frente com o governador do Banco de Portugal, tentando que Carlos Costa se sente a uma mesa com os lesados do BES. Não faz parte do atual Governo, mas este antigo secretário de Estado da Justiça criador dos Julgados de Paz e precursor do Cartão do Cidadão, da Empresa na Hora e da simplificação notarial pode gabar-se de ter em mãos alguns dos dossiers mais quentes que o primeiro-ministro tem para resolver.
Diogo Lacerda Machado é amigo de longa data de António Costa. Conheceram-se nos primeiros dias de 1981, numa aula de História das Instituições, na Faculdade de Direito de Lisboa. A partir daí, têm trilhado caminho juntos. António abriu-lhe algumas portas, em cargos públicos. Ao mesmo tempo, Diogo tornou-se muito mais do que um “amigo de.”. Construiu uma carreira na advocacia e nos negócios mas, sempre que o primeiro-ministro precisa, o presidente do Banco da África Ocidental (Guiné-Bissau) e vice-presidente da Caixa Económica de Cabo Verde está lá. De preferência na sombra.
MACAU ‘CONNECTION’
Nascido e criado em Lisboa, filho de um militar de Infantaria, viveu em Angola, onde o pai fez duas comissões de serviço. Estudou no Colégio Militar e, antes de entrar na faculdade, foi pai pela primeira vez. Tinha 17 anos. O casamento com Teresa Alvarenga só viria a realizar-se em 1984, um ano antes de acabar o curso.
A amizade com Costa já estava de pedra e cal.
Em 1987, Diogo e Teresa seriam padrinhos de casamento de António e Fernanda e acabariam por viver na mesma rua, em Carnide. Tinham comprado casa na mesma altura, à EPUL, com desconto do Cartão Jovem. Durante um ano, António e Diogo saíam juntos para o trabalho. Diogo para o Fundo de Turismo, António ora para o quartel-general, em S. Sebastião da Pedreira, onde cumpria a tropa, ora para o escritório de Jorge Sampaio, Vera Jardim e Magalhães e Silva, onde estagiava.
Quando Magalhães e Silva, recém-nomeado secretário-adjunto para a Administração e Justiça de Macau, precisou de formar equipa, pediu a António Costa que lhe recomendasse três “alunos classificados de Direito”. Costa apresentou-lhe Diogo Lacerda Machado, Eduardo Cabrita (hoje ministro-adjunto do primeiro-ministro) e Pedro Siza Vieira.
Diogo chegaria a Macau no verão de 1988, já casado e com dois filhos (Joana, que é casada com João Pedro Gonçalves Pereira, do CDS, e Francisco; João Maria nasceria um ano depois). Trabalhou na preparação do sistema de administração judicial para a transição do território (que ocorreria 11 anos mais tarde), na modernização da legislação de Macau (e sua tradução para o chinês) e na aceleração da alocação de quadros locais ao sistema.
Nos tempos livres, ia à praia, em Coloane, e jogava à bola com Jorge Oliveira o atual secretário de Estado da Internacionalização juntara-se entretanto à equipa da Justiça em Macau, Jorge Coelho ou Francisco Murteira Nabo (então secretários-adjuntos dos Assuntos Políticos e das Finanças, respetivamente).
Como costumava dizer Simões Redinha, antigo procurador-geral adjunto da região, Macau é “uma freguesia que tem bispo” e, portanto, “todos se conheciam uns aos outros”, confirma Jorge Coelho.
Diogo Machado regressou a Portugal em fevereiro de 1990, com uma perspetiva radicalmente diferente do mundo e a certeza de que a China era um gigante a acordar. Vinha com a ideia de convencer empresas portuguesas a fazer joint-ventures com parceiras chinesas. Falhou muitas vezes até acertar.
NA EMPRESA DE STANLEY HO
Já em Lisboa, conheceu Jorge Ferro Ribeiro, investidor e representante dos interesses de Stanley Ho em Portugal, com uma fortuna construída a pulso. Foi presidente da empresa Construções Técnicas (que operava também em Macau) e da Interfina, grupo com diversos negócios, entre os quais a consultoria e gestão.
Na Interfina, Diogo Machado foi diretor e membro dos órgãos sociais de várias participadas. Hoje, é administrador da Geocapital, empresa de Stanley Ho (magnata chinês, dono do Casino Estoril), de Ambrose So (membro do comité de relações internacionais do Conselho Consultivo do Povo Chinês) e de Jorge Ferro Ribeiro.
A Geocapital investe em Macau, em Portugal e nos PALOP, e detém as participações nos bancos africanos onde Diogo Lacerda tem altos cargos. Desta empresa fazem ainda parte outros nomes conhecidos da política e dos negócios.
Caso de João Silveira Botelho, antigo chefe de gabinete de Leonor Beleza e membro do conselho de administração da Fundação Champalimaud; ou de Alípio Dias, ex-secretário de Estado das Finanças, do Orçamento, ex-deputado do PSD e antigo administrador do BCP, condenado, em 2014, a quatro anos de inibição do exercício de funções bancárias, no caso das offshores do banco de Jardim Gonçalves.
Em Portugal, a Geocapital investiu, por exemplo, na Saer Sociedade de Avaliação de Empresas e de Risco, juntamen- te com António Burity da Silva, antigo ministro angolano da Educação. Há 10 anos, a empresa de Stanley Ho foi também parceira da TAP na compra da brasileira VEM, o negócio de engenharia e manutenção da Varig.
Esta compra foi feita, em 2005, pela Reaching Force, empresa detida em 85% pela Geocapital e em 15% pela TAP. Diogo Lacerda Machado torna-se entretanto administrador não executivo da VEM. Por pouco tempo. Em 2007, a Geocapital sai da Reaching Force, vendendo a sua participação à transportadora por 19 milhões de euros. A TAP fica assim única dona da VEM… e da sua enorme dívida. Esta aquisição revelou-se ruinosa para as contas da TAP que, desde 2007, terá perdido mais de 500 milhões de euros com aquela unidade de negócio.
Agora, encontramos Diogo do outro lado da barricada, ou seja, não do lado dos privados mas do público, ao negociar com David Neeleman e Humberto Pedrosa a reversão de uma parte da TAP, de volta para o Estado.
Também foi interlocutor de uma conversa, a propósito de um dossier que é uma ferida aberta na banca nacional: o conflito entre Isabel dos Santos, a segunda maior acionista do BPI, e a administração do banco. Com o Banco Central Europeu a pressionar nos bastidores. No entanto, fontes próximas do processo garantem que o advogado não está envolvido neste novelo.
CONSTRUTOR DE PONTES
Diogo Lacerda Machado não é um negociador “do género de espremer o outro”, como caracteriza quem com ele se sentou à mesa das negociações recentemente.
“É calmo, de trato muito fácil, uma pessoa com tranquilidade de espírito. Muito culto, tecnicamente muito rico, com grande domínio do conceito jurídico da arbitragem e da mediação, é um construtor de pontes”, acrescenta a fonte. Mediação e arbitragem são, justamente, duas das marcas deixadas aquando da sua passagem pelo Ministério da Justiça. Como secretário de Estado de António Costa, no segundo governo de Guterres, criou os Julgados de Paz, fez a reforma da Medicina Legal e lançou uma agenda antiburocracia, com três pacotes (de simplificação, desburocratização e desformalização da Justiça) que lhe valeram muitos inimigos, sobretudo no notariado. A Empresa na Hora e o Cartão do Cidadão só nasceram com José Sócrates, mas a verdade é que, em 1999, jáLacerda Machado teorizava sobre estas questões.
Diogo é conhecido por ter uma memória prodigiosa e uma enorme paixão pelos aviões. Entre 2010 e 2013, terá feito 795 viagens aéreas. Guarda religiosamente todos os cartões de embarque desde o tempo em que juntava moedas num mealheiro só para ter o prazer de fazer 35 minutos num voo Lisboa-Porto e outros 35 minutos a regressar.
Sportinguista ferrenho, destacou-se como atleta do Centro Desportivo Universitário de Lisboa (CDUL). É um jogador.
Mas também tem espírito de árbitro.
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