“Pedro, temos de chegar à hora certa. Não pode ser às nove e cinco nem às nove e dez.” O encontro com os militantes, em Leiria, estava marcado para as nove da noite. Assunção Cristas saiu de Lisboa às 19 horas e 20 minutos. O trânsito não lhe foi desfavorável, ao contrário do que se poderia prever. Não caía chuva e tanto a CRIL como a A8 estavam desimpedidas à saída de Lisboa. Tem pé pesado e tinha tempo mais que suficiente para percorrer os 150 quilómetros que separam a sua casa do hotel onde decorreria a sessão. Parou numa estação de serviço às portas de Leiria. Saíram todos do carro. Assunção pediu uma água. Pedro Morais Soares (seu diretor de campanha) fumou um cigarro até olhar para o relógio. Em pouco mais de nada, Assunção retomava o volante do seu monovolume para seguir viagem, com os dois repórteres da VISÃO.
Confiou no GPS (coisa rara) e chegou direitinha ao local combinado.
Eram 21 horas e sete minutos.
Uma hora mais que aceitável para um CDS habituado a esperar (por vezes várias horas) por Paulo Portas.
Assunção não queria voltar a chegar atrasada e fê-lo saber a Morais Soares. Para Cristas, sete minutos de atraso não é suficientemente bom.
“Temos de chegar à hora certa, porque ainda temos de cumprimentar as pessoas, chegar à sala, instalarmo-nos e começar. Não começamos antes das nove e meia.” E o CDS, saberá adaptar-se a tamanha mudança? “Se chegarmos a horas, as pessoas percebem e habituam-se.” Assunção Cristas, nascida em Luanda em setembro de 1974, licenciada e doutorada em Direito, ex-ministra da Agricultura e atual deputada mas continua a colocar, sempre que lhe perguntam a profissão, “professora universitária” lançou-se, no dia 26 de fevereiro, em Leiria, à conquista do CDS. Se, a 12 e 13 de março, o congresso a eleger como sucessora de Paulo Portas, muita coisa há de mudar. A começar pelas horas.
PONTO DE PARTIDA
À porta do hotel, em Leiria, esperava-a Manuel Isaac, o ex-deputado que preside àquela distrital do CDS. Tinha tido a “generosidade” e “demonstrado dedicação à causa pública e ao CDS” por estar ali no dia do seu aniversário, diria Assunção, na sala demasiado pequena para acolher cerca de 220 militantes ou simpatizantes, mais 100 do que os que se tinham inscrito para a primeira sessão da “volta”. O menino dos anos estava lá com gosto. Receberá todos os que quiserem ir a Leiria apresentar moções, mas não esconde que está com Cristas, nesta caminhada.
Aliás, está com ela desde que, em 2009, Paulo Portas lhe pediu que a aceitasse como cabeça de lista pelo seu distrito. “Vais ter uma grande surpresa”, disse-lhe Portas. “Acertou em cheio”, responde hoje Isaac.
A Isaac juntam-se muitos outros nomes, mesmo aqueles que, como Filipe Lobo d’Ávila, confessaram preferência por Nuno Melo.
Há muito dado como o mais natural sucessor de Paulo Portas, Melo convocou os jornalistas para lhes comunicar que se havia posto fora da corrida e apoiaria Cristas. Melo e Cristas não são íntimos, nem andaram na luta juntos. Ele foi para o Parlamento Europeu em 2009, no mesmo ano em que ela se estreava como deputada, no Parlamento nacional. Não se cruzaram no hemiciclo nem no governo (de que Melo nunca fez parte). Nuno fez o caminho todo foi autarca, dirigente regional e nacional, deputado e eurodeputado. Cristas entrou diretamente para o topo. Foi logo parlamentar, dirigente nacional e ministra.
Para uma newcomer, o apoio de Melo (e depois de Mesquita Nunes, Cecília Meireles, Diogo Feio, Hélder Amaral, João Rebelo, Mota Soares ou Nuno Magalhães) veio a calhar.
Em Leiria, Assunção tratava as pessoas pelos nomes. Perguntava pelos filhos. Sente-se o afeto e a proximidade. “É o meu distrito”, justificava, na viagem de regresso a Lisboa, referindo-se ao local por onde é eleita desde 2009 (que é também a terra dos seus avós paternos).
Ali está à vontade. O resto é que, para quem se confessa “péssima para caras” e diz que o “lembra-se de mim?” é terrível, será uma cruzada difícil.
Nada que lhe meta medo. Cristas pode sentir-se desconfortável com o desconhecido, mas não é de desistir. Vai à luta. Prova #1: Foi ao programa Prós e Contras, em 2007. Dominava o tema (a interrupção voluntária da gravidez), mas temia engasgar-se perante a pressão do debate televisivo.
Prova #2: Em 2009, foi para a Comissão do Orçamento e Finanças, no Parlamento, de que chegou a ser coordenadora. “A princípio tive medo, mas com o tempo percebi que conseguia falar de outras coisas” que não dominava. Prova #3: Foi para a frente do Ministério da Agricultura, sem dominar minimamente o assunto. “Tive de aprender tudo muito rápido.” A seu favor, diz, com ar sério, tinha o facto de não ser “o típico homem do setor, de meia-idade”. Depois, foi só “fazer”.
Dessa altura, orgulha-se de ter conseguido “o reconhecimento de um setor agrícola dinâmico, moderno, exportador, que se renovou.
Consegui dar-lhe visibilidade e criar uma dinâmica positiva.” Também se orgulha do legado deixado na área do Mar: da “criação da Semana Azul”, que espera se repita; da “lógica integrada de desenvolvimento na área do mar e do seu posicionamento como ator de primeira linha”.
O mar (tal como a política de florestas, a educação, a saúde ou a demografia) é, aliás, um dos pontos do guião que leva para o terreno. Quer que seja um dos pontos em destaque na moção estratégica que há de levar ao congresso. Por ora, quer ouvir. Chega aos encontros e não fala mais do que um quarto de hora, 20 minutos, para explicar ao que vem.
Explica que se candidatou à liderança porque “descobri que gosto muito de política e que o meu tempo e dedicação são muito bem empregues” neste trabalho em prol de todos, e porque “tinha condições para avançar e que era um fator de união”. Em Leiria, a sala gostou e aplaudiu. Cristas ganhou balanço e piscou o olho: “Nada se faz sozinho”, garantiu, tentando angariar apoios. No final, com muitos a subscreverem as linhas estratégicas da sua moção, considerava-se justificado o mote da sua campanha interna: “Unir para Crescer.”
DO ‘JURIDIQUÊS’ AO ‘POLITIQUÊS’
Cristas estava em casa e aquele era o palco ideal para testar o seu discurso. Não se atrapalha com plateias. Apresentava-se elegante, de saltos (como quase sempre), e falava de forma assertiva, num tom firme mas sorridente. Usava um “politiquês” percetível para todos.
Não passou pelo jornalismo nem fez a escola d’O Independente, como Paulo Portas, mas as orais da faculdade de Direito deram-lhe a tarimba necessária para a política.
Falou do momento político, do “primeiro-ministro que perdeu e se apoia nas esquerdas mais radicais”, da “oportunidade de crescer e de nos afirmarmos como alternativa no centro direita”. Quem é do CDS, disse, pondo-se do lado do militante base, “sabe o que é trabalhar durante anos e, na reta final, ouvirmos ‘o que é importante é tirar de lá os que lá estão!'” Pois agora, “se nesta mudança há uma vantagem, é que o voto útil desapareceu.” Como disse? Quer crescer à custa do PSD? Nada disso. “O nosso caminho é em frente. Temos de ser parte ativa na construção da maioria absoluta.” Depois de sentir “as preocupações do partido”, assinou uma mão-cheia de propostas de adesão (nesse 26 de janeiro, muitas outras foram entregues sem a sua assinatura) e prestou-se a uma longa sessão de selfies. Cristas não se importa.
Entra no jogo, é afável, mostra o sorriso. Sabe que as pessoas gostam e o poder que têm as redes sociais (é seguida por mais de 52 mil pessoas, no Facebook). Uma foto aqui, outra acolá faz dela uma estrela da net em pouco mais de nada.
Assunção gosta de agradar e, filha do meio de uma ninhada de cinco, está habituada a trabalhar em equipa e, sobretudo, a criar consensos.
Fez-se uma pessoa empenhada no projeto de felicidade de cada um. É o que a leva a defender (numa posição bastante fraturante, para o CDS) o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo. Justificando-se com o respeito pelas regras e pelos compromissos, votou (contra) ao lado do partido a medida, no Parlamento. Mas entregou uma declaração de voto a explicar a sua posição. Como reagiria o CDS ao diploma da adoção por casais homossexuais (devolvido por Belém a S. Bento) se, em vez de Portas, estivesse Cristas à frente do partido?
FÃ DE FREITAS DO AMARAL
Embirra com a “tendência de rotular as pessoas”. Sente-se “mais conservadora em relação ao aborto, mais moderna em relação ao casamento gay”. Recusa meter todas as causas no mesmo cabaz, porque “a realidade é mais complexa do que aparenta”.
Também sabe é que “há pessoas que nunca votariam no CDS por ter uma agenda muito rígida” e ela insiste em levar avante uma “abertura do próprio partido”. O seu slogan “Unir para Crescer” diz tudo. Quer “somar, ou melhor, multiplicar”.
O marido tem sido “o militante do PSD que mais contribui em tempo e apoio” para a causa centrista.
Assunção só conseguiu ir a Leiria, naquele dia 26, porque Tiago (Machado da Graça) ficou com as quatro crianças em casa. Acompanha-a bastante. Foi a ações de campanha para as legislativas e estará com ela na volta, aos fins de semana.
Já foi a congressos do CDS (com ela), mas também do PSD. Agora “devia mudar” [para o CDS], suspira.
Ela sempre foi CDS. “Lá em casa era-se do CDS, por causa da descolonização” diz. Foi para a rua quando ganhou a AD de Sá Carneiro e sofreu com a sua morte. Torceu por Freitas do Amaral nas presidenciais de 1986. Mas quando este perdeu, desencantou-se com a política. Não foi, portanto, a democracia cristã que a fez duvidar quando Portas a convidou para o CDS, em 2007.
Foi antes o não saber se gostaria, se estariam sempre de acordo.
Nove anos depois, garante que gosta e que não tem medo de o dizer.
E não deixou de ter opiniões. Maria do Mar, a sua filha mais velha, tem a quem sair. “Para o Parlamento só deviam ir mulheres sem filhos”, dizia, ao ver a mãe perder horas com os PEC’s 1, 2, 3 e 4. “Em termos de imprevisibilidade [o Parlamento] foi muito pior que o governo”, recorda. Aí, não conseguia marcar as reuniões para antes ou depois do jantar, momento sagrado para estar com os filhos.
Mesmo nesta volta pelo País, regressa sempre a casa. Para poupar no alojamento (porque é do seu bolso que paga esta corrida) e para estar junto do marido e dos miúdos.
Nos fins de semana, quando vai para mais longe, faz por levá-los. Não gosta de falar desta questão. Do ser mulher (afinal, antes dela só Manuela Ferreira Leite e, mais recentemente, Catarina Martins chegaram à liderança de um partido, em Portugal). Mas responde à pergunta: faz diferença, ser mulher? “Não é indiferente. Não sei se para melhor se para pior. Um dia será indiferente, mas ainda não chegou esse dia.” Tudo indica que chegará. Pelo menos no CDS.