QUE DIPLOMAS PODE O PRESIDENTE VETAR?
O Presidente pode vetar os diplomas emanados da Assembleia da República (Leis) ou do Governo (Decretos-Leis). Pode mesmo fazê-lo depois de os submeter ao crivo do Tribunal Constitucional e de este órgão os considerar conformes à Lei Fundamental. No caso de se tratar de um Decreto-Lei, o veto político é absoluto: o diploma é “chumbado” e o governo abandona-o ou realiza as alterações propostas pela Presidência. No caso de se tratar de uma Lei, o veto é relativo. A Assembleia da República pode reenviar o diploma para Belém, sem alterações, mas com o apoio da maioria dos deputados (absoluta) ou de dois terços (qualificada), conforme se trate de uma legislação “banal” ou mais “importante” (leis orgânicas, eleitorais, respeitantes às relações externas…). O veto político acaba por dar ao Presidente da República um poder moderador da legislação, já que condiciona fortemente o conteúdo dos diplomas. No livro O Poder Presidencial em Portugal (2010, Publicações Dom Quixote), António Costa Pinto e André Freire notam que os vetos políticos e os pedidos de constitucionalidade aumentam quando a maioria parlamentar é “de sinal contrário, em termos político-ideológicos, à maioria presidencial”.
QUE PODERES TEM O PRESIDENTE PARA DETERMINAR A CONSTITUCIONALIDADE DE UM DIPLOMA?
Não cabe ao Presidente da República mas ao Tribunal Constitucional a avaliação da conformidade constitucional dalegislação. O Presidente pode, contudo, pedir a fiscalização da constitucionalidade preventiva (realizada antes dapublicação do diploma), sucessiva (a qualquer momento) ou por omissão (no caso de inexistência de legislação que consagre uma norma constitucional). Jorge Miranda, 74 anos, constitucionalista e decano da Faculdade de Direito de Lisboa, considera que devia ser suprimido parte do artigo 279º da Constituição, que prevê que a Assembleia daRepública possa confirmar por dois terços dos votos um diploma “chumbado” pelo Tribunal Constitucional. “Esta norma nunca foi usada. Pode-se dizer que há um desuso, uma caducidade. Tirar isto da Constituição seria bom, porque não se entende que, depois do TC ter dito que certa norma é inconstitucional, o Parlamento venha a aprová-la”.
A QUE PODER DO PRESIDENTE SE CHAMA POPULARMENTE A “BOMBA ATÓMICA”?
Trata-se da possibilidade de o Presidente da República dissolver a Assembleia da República (respeitando certos limites temporais, relacionados com o calendário eleitoral), depois de ouvidos os partidos políticos nela representados e o Conselho de Estado. Em simultâneo, o Presidente deve marcar a data das novas eleições legislativas. Desde a revisão constitucional de 1982, todos os presidentes exerceram este poder. Jorge Sampaio usou-o em 2004, quando havia uma maioria parlamentar a suportar o Governo. O Presidente tem ainda o poder de demitir o Governo, quando tal “se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas” e depois de ouvido o Conselho de Estado. Para Jorge Miranda, só quando “o Governo não cumpre as suas obrigações constitucionais” o Presidente o pode demitir. Em que casos? “Se o Governo não submete o seu programa, se não submete o orçamento em tempo útil, se não propõe a renovação dos titulares dos altos cargos, como o de Chefe do Estado–Maior-General das Forças Armadas, ou quando o Governo entra em rutura institucional com o Presidente, não o informando da situação política do País”, explicita o constitucionalista.
QUE TIPO DE SEMIPRESIDENCIALISMO É O NOSSO?
Após a revisão constitucional de 1982, os poderes do Presidente foram diminuídos. Se antes podia demitir o Governo ou dissolver a Assembleia sem grandes entraves, a partir de então esses poderes foram limitados. Mas André Freire e António Costa Pinto, os cientistas políticos autores de O Poder Presidencial em Portugal, defendem que “o papel do Presidente da República no sistema político português continua a ser muito relevante, mesmo quando há uma maioria absoluta”, relembrando o caso da dissolução decidida por Jorge Sampaio. No mesmo o livro, os autores evocam o trabalho de Alan Siaroff, autor que fez um ranking de regimes semipresidencialistas com base nos poderes do Presidente. Segundo essa classificação, após a revisão constitucional de 1982 o regime português aparece entre os “sistemas parlamentares com corretivo presidencial”, uma classificação que o subtrai à de um sistema com um presidente “meramente cerimonial” (caso da Áustria) mas que o mantém aquém dos “sistemas parlamentares com dominância presidencial” (França). António Araújo, 49 anos, constitucionalista, considera que para garantir uma maior independência da presidência se devia limitar a elegibilidade a um mandato mas alterando a sua duração para sete anos. Também Jorge Miranda é favorável a esta alteração mas mantendo o mandato em cinco anos.
EM CASO DE GUERRA OU DE CALAMIDADE GRAVE, QUAIS SÃO OS PODERES DO PRESIDENTE?
O Presidente da República é também o Comandante Supremo das Forças Armadas. Só ele pode declarar a guerra em caso de agressão efetiva ou iminente ou fazer a paz. Este poder só pode ser exercido sob proposta do Governo, depois de ouvido o Conselho de Estado e mediante autorização da Assembleia da República. Também carece de autorização da Assembleia da República a declaração de Estado de Sítio (em caso de atos que ponham em causa a soberania, a independência a integridade territorial ou a ordem constitucional) ou de Emergência (em casos menos graves, nomeadamente de calamidade pública). Os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, num livro de 1991, (Os Poderes do Presidente da República, Coimbra Editora, que resultou de um pedido de Mário Soares, então Presidente da República, para esclarecer as competências da Presidência em matérias de Defesa e de Política Externa), defendem que a Constituição devia especificar melhor quais os poderes de Belém em relação às Forças Armadas e às Relações Internacionais.
QUE OUTROS PODERES TEM O PRESIDENTE?
Há ainda um amplo leque de poderes do Presidente. Dirigir mensagens à Assembleia da República é um deles. Reunir e presidir ao Conselho de Estado ou marcar as datas de eleições são outros dos poderes do Presidente, que também nomeia e exonera os membros do Governo, o presidente do Tribunal de Contas e o Procurador-Geral daRepública. Também tem o poder de indulto e de comutação de penas. Como grão-mestre das ordens honoríficas portuguesas, o Presidente tem ainda o poder de conferir condecorações. Em matéria de relações internacionais, cabe também ao Presidente nomear os embaixadores (sob proposta do Governo), acreditar os representantes diplomáticos estrangeiros e ratificar os tratados internacionais. Alguns destes fazem parte do leque de poderes informais. Como nota António Araújo, “não é neutra a atribuição de uma condecoração”, lembrando o caso dadistinção concedida a Isabel do Carmo, ex-dirigente das Brigadas Revolucionárias, por Jorge Sampaio. A realização do congresso “Portugal: que futuro?”, em 1994, com o apoio de Mário Soares, então Presidente da República, é apontado como um exemplo do exercício desses poderes informais. As presidências abertas de Soares, os roteiros de Cavaco, as audições de especialistas em privado e as cirúrgicas declarações à comunicação social são outras formas de o Presidente intervir e influenciar a condução da política nacional.