Foram precisos exactamente 30 anos, depois da candidatura de Maria de Lurdes Pintassilgo, em 1986, para que aparecessem quatro mulheres candidatas à presidência da República 2016.
Maria de Belém, apoiada pelo PS, será, das quatro, a melhor posicionada nas sondagens. Já antes, Graça Castanho, professora universitária dos Açores, apresentara a sua pretensão. Tal como a historiadora Manuela Gonzaga, que conta com o apoio do PAN, partido já com representação parlamentar. Ontem, foi Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda, a anunciar a sua candidatura.
A jurista e diplomata Ana Gomes considera excelentes estas notícias: “outro ‘telhado de vidro que se quebra'”. Quanto à candidatura mais recentemente anunciada, a de Marisa Matias, julga que “poderá determinar uma grande diferença na qualidade do debate sobre o papel da Presidência da República, perante desafios que Portugal e a União Europeia enfrentam”.
“Num país, como Portugal, em que a igualdade de género está consignada na lei mas na prática ainda anda longe de ser alcançada (a título de exemplo, menos de 5% de mulheres ocupam lugar de relevo nos conselhos de administração, segundo a OIT), o facto de haver quatro mulheres candidatas à Presidência da República é, óbvia e felizmente, um avanço civilizacional”, comenta a escritora, professora e ex-coordenadora do Gabinete para a Igualdade no Distrito de Castelo Branco. E lembra que, se Portugal é um dos países em que a desigualdade recua, “trata-se de uma excelente notícia, sobretudo se pensarmos que o Relatório Mundial (Global Gender Gap Report 2014 ) aponta para que, a continuar a trajetória seguida desde 2006 em matéria de participação de mulheres no mundo, sejam necessários ainda 81 anos para a igualdade plena”.
No entanto, a professora não deixa de referir enquanto contraponto à conquista do espaço político, os “números do horror da violência doméstica contra mulheres”: 400 mortas pelos companheiros na última década. “Também por isso, o facto de a Presidência da República ser disputada e poder ser ocupada por uma mulher ganha especial relevância, uma vez que as denúncias das desigualdades e da violência surgem, maioritariamente, em discursos feitos por mulheres”.
E a Maria Manuel Viana não restam dúvidas: “Esta será, pois, uma campanha diferente, com temas que considero fundamentais e que não têm feito parte da agenda política dos últimos anos”.
Isabel Coutinho, presidente cessante do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas, considera que seria “uma grande passo para o país, se uma mulher presidente fosse eleita”. O caminho, diz, é e foi difícil, mas possível. “Tivemos de esperar muito para que voltasse a acontecer (30 anos após a candidatura de Maria de Lurdes Pintassilgo), sem que houvesse razões aparentes que justificassem essa ausência. Há muitas mulheres competentes na política”. Segundo a vereadora e vice-predidente da Câmara Municipal de Cabeceira de Basto, a questão de género já nem é, a este nível “macro”, central: “nem uma mais-valia, nem uma questão central”. Trata-se de um dado aceite pelo eleitorado com naturalidade. “A Maria de Belém ou a Marisa Matias valem por si, pelo seu trajeto, não pelo facto de serem mulheres, obviamente”.
Mas é muito bom sinal, prossegue a socialista, “sinal de que evoluímos a esse nível, de que o facto de haver candidatas mulheres é hoje encarado ‘de igual para igual'”. Claro que os sinais externos ajudaram, o fator Hillary Clinton ou mesmo Angela Merkel, mas “finalmente pode dizer-se que os portugueses têm maturidade e estão preparados para ter uma mulher presidente”.
“E apesar dos avanços e recuos, começa a ser uma evidência essa necessidade de uma mulher candidata. Provavelmente, houve no passado outras mulheres que se sentiram preparadas mas não ousaram… Justamente porque nessa altura o país é que não estava preparado”, continua Isabel Coutinho. Aliás, está convencida de que o facto de existirem poucas mulheres ao nível da alta finança mundial influenciou negativamente o estado das coisas. “De uma mulher presidente podemos esperar, segundo diz, “maior sensibilidade e capacidade de entrega aos problemas”.
Desde 1986, tensas eleições presidenciais pela primeira vez disputadas por não militares, em que a esquerda se dividia entre Mário Soares e Salgado Zenha, Maria de Lurdes Pintassilgo, candidata independente, a única mulher primeira-ministra em Portugal (chefiou o V Governo Constitucional, entre 1979 e 1980) apareceu muito bem posicionada nas intenções de voto. Porém, o entusiamo inicial esvaziou-se, e nas urnas Pintassilgo obteve apenas 7,4% dos votos. Já nessa altura, as máquinas partidárias soaram mais alto.
Mas, se à época, Margaret Thatcher (primeira-ministra entre 1979 a 1990) ditava os destinos do Reino Unido, agora são muito mais as mulheres que se apresentam como figuras cimeiras de Estado. Entre o governo e a presidência, formam, porém, um pequeno grupo que se desfia em poucas linhas: Simpson-Miller, na Jamaica; Kamla Persad Biessessar em Trinidad e Tobago; Dilma Rousseff, no Brasil; Cristina Ferandez de Kirchner, na Argentina; Michelle Bachelet , no Chile; Ellen Johnson Sirleaf, na Libéria; Catherine Samba-Panza, na República Centro-Africana; Erna Solberg, na Noruega; Helle Thorning-Schmidt, na Dinamarca, Angela Merkel, na Alemanha; Kolinda Grabar-Kitarovic, na Croácia; Ewa Kopacz, na Polónia; Atifete Jahjaga no Kosovo; Dalia Grybauskaite, na Lituânia; Laimdota Straujuma, na Letónia; Sheikh Hasina Wajed, no Bangladesh; Park Geu-hye, na Coreia do Sul.
Já nos EUA, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton (considerada pela Forbes a segunda das dez mulheres mais poderosas do mundo – a primeira é a chanceler Angela Merkel), encontra-se com a mais alta popularidade entre os restantes candidatos democratas. E pode ser desta que os EUA terão, pela primeira vez na sua história, uma presidente mulher. É só esperar por novembro de 2016 para ficarmos a saber…