1 – Escondida pelo crescimento da cidade
A casa em que José Sócrates está em prisão domiciliária, em Lisboa, desde a noite de sexta-feira, 4, é o edifício mais antigo do quarteirão em que se encontra inserido, no chamado Bairro dos Actores. O pequeno prédio, com dois pisos e um sótão, terá sido erguido por volta de 1920 na então Azinhaga do Areeiro (que em 1924 mudou o nome para Rua Carvalho Araújo) e, segundo alguns moradores mais antigos, funcionou durante alguns anos como escola primária. Na década de 1930, aquela área da cidade passou por uma profunda remodelação, com a construção da Alameda D. Afonso Henriques e os planos de urbanização em seu redor, nomeadamente o desenho dos quarteirões do Bairro dos Actores – que deixaram aquele prédio encravado no meio de um deles, mas com serventia assegurada através do número 33-A da então Rua Carvalho Araújo que, em 1957 mudaria o nome (no troço a norte da Alameda) para Rua Abade Faria, que ainda hoje se mantém.
2 – Escola, fábrica e armazém
O edifício foi construído para servir de escola primária. E, segundo alguns moradores, o seu sótão era usado como quarto para a professora destacada, já que aquela zona ficava, então, nos “arredores” de Lisboa. Depois, na década de 1940, a escola foi desativada e o edifício foi adaptado para fábrica da Ramazzotti, empresa de produtos alimentares, nomeadamente farinhas e frutos secos. A fábrica funcionou ali até 1986, ano em que se mudou para Carnaxide, onde hoje existe um edifício com esse nome. Sem atividade industrial, o prédio no logradouro da Rua Abade Faria foi transformado em armazém, mas não durante muito tempo. O seu proprietário deixou de pagar a renda e o edifício ficou abandonado e quase devoluto.
3 – À venda para estacionamento
Em 2008, o empresário Paulo Chaby Marques da Silva, que tinha dirigido durante vários anos uma agência de viagens especializada em mergulho subaquático, encontrava-se à frente de uma imobiliária na zona da Alameda e em busca de bons negócios na zona – nos tempos da pré-crise e em pleno boom imobiliário. É então que lhe falam num prédio de dois andares na Rua Abade Faria, com apenas um inquilino (e com mais de 80 anos!), mas cuja propriedade incluia, nas traseiras, um “velho armazém” abandonado. “Um espaço com um potencial enorme para um negócio de estacionamento”, dizem-lhe. Quando vai ver o local, com Sofia Fava, com quem vivia, rapidamente chegam ambos à conclusão que poderiam transformar o antigo armazém na casa ideal para os dois e ainda fazer um bom negócio com os andares do prédio da Rua Abade Faria. A compra foi feita, em maio de 2008, por 550 mil euros.
4 – Empréstimo, obras e seguro de vida
Para adquirirem a casa e custearem as obras de reabilitação, Paulo e Sofia contraem um primeiro empréstimo de 600 mil euros na Caixa Geral de Depósitos (que lhes tinha avaliado a casa em mais de um milhão de euros). Em setembro de 2008, a Câmara de Lisboa concede aos dois, por despacho, “o pedido de ocupação de via pública para obras de conservação”, na Rua Abade Faria 33/33-A. Mais tarde, pedem um outro empréstimo de 200 mil euros.Em julho de 2009, os dois mudam-se para a nova casa, já completamente remodelada, com base num projeto de arquitetura de interiores de Alexandre Fava, irmão de Sofia, e com as obras feitas pela empresa Gigabeira, de Carlos Santos Silva, amigo de infância do ex-marido José Sócrates. As obras incluíram a adaptação, na cave, dos antigos tanques da Ramazzotti numa pequena piscina. A 14 de agosto desse mesmo ano, ao fim de poucas semanas na nova morada, Paulo morre em casa, repentinamente, vítima de um ataque cardíaco fulminante, aos 41 anos. Em 2011, cumpridas as muito demoradas formalidades médico-legais, o empréstimo à CGD foi pago pelo seguro de vida associado à hipoteca. No entanto, Sofia Fava reconhece que não fez a atualização imediata desse facto no Registo Predial, por pensar que seria suficiente a carta do seguro a comunicar que o empréstimo tinha sido liquidado. A alteração no Registo Predial acabaria por ser feita apenas no final de março de 2014, na sequência da entrada em tribunal de um processo de partilhas.
5 – Propriedade partilhada
Legalmente, a propriedade é detida em partes iguais, por Sofia Fava e pela filha (de 16 anos, ainda menor) de Paulo Marques da Silva, sua herdeira direta (na altura da morte de Paulo ainda não eram reconhecidas as uniões de facto sem IRS conjunto). No entanto, é Sofia Fava que tem ali a sua residência principal, embora passe também várias temporadas num monte que adquiriu, em 2012, em Montemor-o-Novo, no Alentejo.
6 – Refúgio ideal
A casa de cinco assoalhadas tem espaço suficiente para acolher Sócrates no regime de prisão domiciliária, acompanhado de um dos filhos, bem como receber visitas, sem comprometer a privacidade dos outros moradores. O facto de estar protegida dos olhares de quem passa na rua foi fundamental para a sua escolha, bem como o pormenor de apenas precisar de polícia na porta de acesso para vigiar quem entra e quem sai. E de forma rígida: mesmo que alguém se ausente por alguns minutos, tem sempre que mostrar a sua identificação à saída e à entrada!