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Ensaio de Diogo Freitas do Amaral para a VISÃO nº 1175, de 10 de setembro de 2015
Em quem votar?
Mas há que ser pragmático: justiça social em democracia e na Europa, hoje, só com o PS. Como disse Churchill, “às vezes é necessário mudar de voto ou de partido, para não ter de mudar de princípios”
Passos Coelho conseguiu, é verdade, alguns resultados económicos positivos: há que reconhecê-lo. Mas a que preço?
Cortou salários e pensões. Levou inúmeras empresas à falência ou a grandes despedimentos. Cortou no acesso à saúde e às prestações sociais. Aumentou muito mais do que o previsto o flagelo do desemprego. E, mesmo assim, não conseguiu atingir, em maio de 2014, os principais objetivos iniciais do “Memorando” de 2011 – nem na dívida pública, nem no défice orçamental, nem no crescimento económico, nem na descida do desemprego…
Será verdadeiro o argumento de Passos, segundo o qual, se o PS for agora para o Governo, voltaremos, dada a tradição despesista dos socialistas, ao desgoverno de 2011?
Não é. Primeiro, porque a verdadeira tradição do PS tem sido a de corrigir os excessos de outros que ocuparam o poder antes dele: foi assim duas vezes com Mário Soares (1976-78 e 1983-85) e foi assim nos primeiros tempos de José Sócrates, que entre 2005 e 2008 fez baixar o enorme défice orçamental de Santana Lopes, de quase 7% do PIB para menos de 3%!
Em segundo lugar, a argumentação de Passos Coelho é historicamente errada: a principal causa do nosso trambolhão em 2011 foi a crise económica mundial que começou em 2008-2009; como é improvável que ela se repita na próxima legislatura, é igualmente improvável que possamos voltar à situação de 2011. Aliás, Portugal não tropeçou sozinho: também sofreram grandes crises a Grécia, a Irlanda, a Espanha, Chipre e, fora da União Europeia, a Islândia, para não falar da Itália.
Eis assim, posto a nu, o principal defeito do atual primeiro-ministro (PM): manipular os números, para poder fugir à verdade plena, sobretudo através de omissões e meias verdades.
Como democrata, também não gostei nada do estilo neoautoritário do PM, que aos poucos conseguiu controlar quase todos os órgãos da comunicação social. E sustento que foi mesmo antidemocrático fazer repetidas e graves acusações ao Tribunal Constitucional, o que nunca tinha acontecido desde que ele existe, há mais de 30 anos…
Como democrata-cristão, chocou-me e indigna-me a falta de sensibilidade social desta direita neoliberal, que conscientemente tributa mais o trabalho do que o capital, e que pretende resolver todas as crises à custa das classes médias – sem as quais não pode haver Democracia (já Aristóteles o percebia). Fiquei realmente estupefacto com a proposta de alteração da TSU, em 2012, na qual Passos Coelho revelou a sua verdadeira face: tirar rendimentos aos trabalhadores para os entregar aos empresários. É ter a injustiça social como objetivo!
Passos também se gaba da “sua” estabilidade governativa: mas não esqueçamos que, em três anos, perdeu Victor Gaspar, Miguel Relvas, Álvaro Santos Pereira e Miguel Macedo, além de numerosos secretários de Estado.
Bem pior do que isso, alienou a estrangeiros quase todas as melhores empresas portuguesas, feitas por nós (capitais, técnica e trabalhadores portugueses): a EDP, a REN, a TAP, a PT, os CTT, a CIMPOR, a ANA, etc.. E acha que fez bem! Quer também vender para fora o Novo Banco, depois de ter deixado cair (sem qualquer preocupação, e sem uma cabal explicação ao País) o maior e mais antigo banco privado português, quando o próprio Presidente Bush (filho) salvou com dinheiros do Estado, em 2008, vários bancos, companhias de seguros e a Chrisler.
Tão-pouco foi edificante ver o desprezo público de Passos Coelho pelo CDS – sem o qual ele nunca teria sido primeiro-ministro! -, até ao dia (já em 2015) em que concluiu pelas sondagens que ia precisar outra vez do CDS, logo transformando arrogância e humilhações em sorrisos e palmadinhas nas costas. Que baixeza!
Quanto ao PS – a que nunca pertenci nem tenciono pertencer, pois sou democrata-cristão -, merece-me, apesar de várias diferenças ideológicas importantes, mais simpatia do que o atual PSD, porque pretende caminhar no sentido de uma maior justiça social, sem quebra dos compromissos europeus assumidos por Portugal.
Se o PSD foi, e é, o partido da austeridade acima de tudo, o PS apresenta-se (e bem) como o partido do crescimento económico e da criação de emprego, dentro dos necessários equilíbrios financeiros.
Já o disse e repito: não há perigo de regresso a 2011, porque o Lehman Brothers não vai falir outra vez; porque a União Europeia está hoje melhor apetrechada para controlar crises sistémicas; e porque os partidos políticos aprendem com os seus próprios erros.
O que podemos razoavelmente esperar do PS, liderado pelo experiente, sério e democrata António Costa?
No plano político, o respeito pela Constituição e pelo Tribunal Constitucional.
No plano económico, o arranque do crescimento pelo aumento da procura interna, já que o investimento continua retraído e a procura externa é por definição instável.
No plano financeiro, é previsível o rigor imposto pelo Tratado Orçamental europeu, mas com as margens de flexibilidade que nele existem, mais as que podem e devem ser negociadas com inteligência e tenacidade.
No plano social, confia-se no respeito pelos direitos adquiridos dos reformados, claro, e num vasto conjunto de medidas de emergência para apoio às famílias mais carenciadas: aspeto crucial. Entretanto, a sustentabilidade da Segurança Social deve ser estudada muito a sério, para não acabar de vez a esperança dos jovens Portugueses no futuro do seu país.
No plano da Educação, da Justiça e da Saúde, há que restabelecer a ordem no caos, e não deixar que a mania das reformas afete a continuidade dos serviços públicos essenciais.
No plano cultural, enfim, aguarda-se que de uma vez por todas seja possível definir prioridades nacionais – pois não há dinheiro para tudo -, mas evitando os desastres colossais, como por exemplo o do megalómano edifício do Museu dos Coches.
Não espero milagres. Já não acalento muitos sonhos. Sei mesmo que vou discordar de algumas medidas que o PS teima em querer fazer suas, e que melhor seria deixar para pequenos partidos marginais.
Mas espero – e exijo – que o PS mantenha o código genético que lhe imprimiu Mário Soares: Democracia, Europa, Estado Social. Tudo numa linha moderada de progresso, e nada numa linha radical de regresso ao Estado Liberal – hoje infelizmente protagonizada pelo PSD, que não nasceu com essa vocação. Onde paira o espírito social e progressivo de Sá Carneiro e dos outros social-democratas que o acompanharam?
Se houvesse uma verdadeira AD, de caráter vincadamente social e progressista – como a que fizemos em 1980 -, não seria com certeza necessário que tantos sociais-democratas e democratas cristãos (como eu) tivessem de votar nos socialistas.
Mas há que ser pragmático: justiça social em democracia e na Europa, hoje, só com o PS. Como disse Churchill, “às vezes é necessário mudar de voto ou de partido, para não ter de mudar de princípios”.