Presidente do Instituto de Direito Económico-Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa, advogado e diretor da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Eduardo Paz Ferreira, 63 anos, é das maiores autoridades do País naquelas áreas. Em entrevista à VISÃO, considera que o caso da “lista VIP” e as revelações sobre as fragilidades da Autoridade Tributária em matéria de proteção dos contribuintes colocam em causa o regular funcionamento das instituições. Sugere a demissão a Paulo Núncio e critica a inação do Presidente da República.
Como descreve a situação da AT depois dos casos vindos a público?
A situação é alarmante, das coisas mais assustadoras dos últimos tempos. Já tinha manifestado preocupações nesse sentido, mas o relatório da CNPD é arrasador. É grave que não se tirem consequências políticas. Ter um sistema aberto, em que acedêssemos todos à vida fiscal de cada um, era mais transparente, pelo menos. A “lista VIP” não é. E ver a AT fazer outsourcing num domínio tão sensível como o armazenamento de dados é aterrador. É o big brother em todo o esplendor. Mais grave ainda é o e-fatura, que permite o acesso a toda a vida dos contribuintes, além de ser inconstitucional, claro.
Haver empresas privadas com elevado número de utilizadores com acesso aos nossos dados fiscais é uma novidade para si?
Não propriamente, mas o relatório da CNPD confirma-o de forma impressionante. Perdeu-se a noção da dignidade das funções do Estado. Não há qualquer razão técnica que justifique que aquelas pessoas todas acedam a estes dados.
Acredita no desconhecimento da tutela em relação à “lista VIP”?
Não faço juízos. Paulo Núncio é um jurista de mérito, tem essa “agravante”, ou seja, terá sensibilidade para esses problemas. Se estava distraído, devia tirar consequências políticas. Os governantes estão nos cargos para defender os valores tutelados constitucionalmente, a nossa segurança e privacidade. Se não sabem ou não têm condições para fazê-lo, devem sair. Tanto dá que ele soubesse ou não da “lista VIP” ou tenha dado ordens. O resultado prático é o mesmo: não defendeu os cidadãos. A “lista VIP” é a ideia mais “extraordinária” que já vi. Então nesta versão de quatro, de bando dos quatro, é caricata…
É verdade que tem informações de que nos gabinetes ministeriais existem passwords para acesso à base de dados fiscal?
Disseram-me que algumas passwords [para entrar na base de dados] são usadas nos gabinetes do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e da ministra das Finanças. Não tenho provas, mas as informações que tenho da AT vão nesse sentido. Era interessante a CNPD verificar. Se for verdade – e admito que as informações estejam erradas -, considero mais perigoso um membro de um gabinete governamental ter uma password que lhe dá acesso à base de dados do que um funcionário da Accenture.
Quando obteve essa informação?
Quando estas coisas começaram a ser agitadas – e aí presto a minha homenagem ao Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos -, procurei recolher o máximo de informação nos circuitos que conheço e que me são fáceis. Fui apanhado de surpresa…
O que recomendaria à tutela política nesta altura?
Total transparência, assunção de responsabilidades e medidas para pôr cobro a isto. O Presidente da República, perante um escândalo destes, tinha obrigação de chamar o primeiro-ministro e perguntar-lhe se isto é o regular funcionamento das instituições. A ideia de que os dados informáticos da administração pública são uma espécie de Facebook ou Twitter é assustadora.