A IX Convenção “é um dos maiores desafios que o Bloco enfrenta desde a sua fundação”. Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, sabe bem do que fala. O Bloco que tem nas mãos (a meias com João Semedo, desde 2012) já não é o que era. Nunca, como nos últimos dois anos saíram tantos aderentes do Bloco. Nunca se ouviu falar tanto em “sectarismo” ou “divisionismo”. Nunca, como agora, se apelou tanto ao regresso às origens, à recuperação da irreverência, da criatividade e da capacidade de intervenção que caracterizavam o BE.
Mas do BE de 1999 já pouco resta. O partido apresenta-se à IX Convenção a várias vozes e tendências, a querer seguir por caminhos distintos. Fernando Rosas, o independente chamado para fazer pontes entre as várias esquerdas, em 98, afastou-se do combate político-partidário. Francisco Louçã e Luís Fazenda entrincheiraram-se em campos opostos. Os apoiantes de Miguel Portas que não saíram do partido dividiram-se entre as várias tendências.
Já não se fala da Política XXI (de Miguel Portas) ou do PSR (de Louçã). Das três forças que estiveram na origem do BE, já só se fala (e cada vez mais), em UDP. Hoje, o Bloco divide-se entre Socialismo (tendência onde se situa Louçã, Rosas, Marisa Matias, João Semedo ou Catarina Martins), Anticapitalismo, moção B, no que resta do Fórum Manifesto (depois da saída de Ana Drago e Daniel Oliveira), de Esquerda Alternativa (de Pedro Filipe Soares e Luís Fazenda, da UDP) e alguns grupos minoritários. Da origem, a UDP é a única força que se manteve no ativo, que não se integrou na nova configuração do BE e até se dividiu entre os que estão com Fazenda na Esquerda Alternativa e os que se afastaram, descontentes. É um BE mais dividido do que na véspera de se ter criado, que se apresenta à IX Convenção.
Faîtes vos jeux
Em 1998, Fernando Rosas questionava-se se a UDP, o PSR e a Política XXI “conseguiriam entender-se num campo comum”. Conseguiram. O BE cresceu em aderentes, lugares no Parlamento e implantação no País. Chegou a ter 16 deputados e três eurodeputados. Conseguiu introduzir temas fraturantes na agenda política e aprovar legislação tão irreverente (para um país de brandos costumes) como a despenalização do aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Mas depois… Joana Amaral Dias sucumbiu aos encantos do PS, apoiando Mário Soares (e não Francisco Louçã) à presidência, em 2006. Cinco anos depois, o BE apoiava Manuel Alegre a Belém, ao lado do PS. Mês e meio mais tarde, apresentava uma moção de censura ao governo de José Sócrates. O caos começou, pouco a pouco, a instalar-se. O terreno deu azo à intriga. E quando, na convenção de 2012, se aprovou a coordenação bicéfala (de Catarina Martins e João Semedo), os “udepistas” sentiram-se renegados. O Bloco (s.m. “coligação de elementos políticos”, segundo a Porto Editora) deixava de o ser.
Os últimos dois anos foram penosos. Com a troika em Portugal e o debate político centrado no défice, na dívida, nos cortes e no desemprego, sem Francisco Louçã no Parlamento (saiu em 2012), os bloquistas foram perdendo fôlego. Afastaram-se de António Costa na Câmara de Lisboa e não só viram José Sá Fernandes escapar-lhes entre os dedos, como se sujeitaram a ver Semedo fora da autarquia. Nas europeias, perderam dois lugares, elegendo apenas Marisa Matias. As saídas intensificaram-se. Daniel Oliveira (da fundação do partido) e Ana Drago (ex-líder parlamentar) foram as mais notadas. Com o tempo, até o grupo parlamentar se dividiu em dois. De um lado, quatro apoiantes da tendência Socialismo; do outro, quatro da Esquerda Alternativa.
Vai sair fumo, do Casal Vistoso?
Esta sexta, dia 21, no Pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, Pablo Iglésias (secretário-geral do Podemos), Trevor Ó Clochartaigh (senador do Sinn Féin) e um representante do Syriza falarão aos bloquistas. Mas no sábado e domingo é que se vai ditar o futuro do BE. Para Louçã, o debate deveria centrar-se na procura de um “terreno de convergência e no como é que a esquerda renasce para um combate contra a troika”.
Todos defendem o combate à austeridade (“Romper com a austeridade” é, justamente, o slogan da convenção), a restruturação da dívida e a defesa do Estado Social. Mais difícil parece ser o acordo sobre o caminho a seguir e que companheiros escolher, para a caminhada.
Catarina Martins e João Semedo (moção U) defendem uma aproximação ao Partido Comunista. A moção A (oriunda de um grupo de Viana do Castelo) prefere lançar pontes para os Socialistas mas a B (conotada com o Fórum Manifesto, e que passou de 84 delegados, há dois anos, para 44) nem quer ouvir falar disso. João Carlos Louçã, da Anti-capitalismo (que, com a moção R, triplicou os seus delegados desde a última convenção), diz-se disposto a aliar-se com quem quer que se reveja nas suas lutas. E, por fim, a Esquerda Alternativa (moção E de Pedro Filipe Soares, que tem 262 delegados e é a mais próxima da UDP) que reabrir o BE à sociedade.
Mas nada está ainda definido. É certo que a Esquerda Alternativa tem mais seis (em 617) delegados que a tendência Socialismo, na votação interna mais concorrida de sempre (registaram-se 2653 votantes). E é totalmente incerta a perspetiva de reconfiguração dos apoios das moções minoritárias.
Só mesmo no domingo se saberá quem ganha. E, mais importante ainda, que vozes entrarão numa Comissão Política que, pela primeira vez em 15 anos, deverá ser constituída pela lei da proporcionalidade entre as moções.
Assim, do Casal Vistoso até poderá sair fumo branco. Mas a equipa vencedora conseguirá ela governar um Bloco que, aparentemente, se está a desmoronar?