A destruição física das gravações de conversas telefónicas e SMS trocados entre José Sócrates e um dos seus próximos no PS, o ex-ministro Armando Vara, parecia representar o final simbólico de um processo concluído apenas três dias antes, sexta-feira, 5, com a leitura da sentença. Vara tinha sido, sem dúvida, o mais mediático dos 36 arguidos. Mas, à distância, sempre pairara a figura do polémico ex-primeiro-ministro, aquele que a acusação procurava atingir. Pelo menos, ao que argumenta a defesa.
Ao fim de três anos e 188 sessões de julgamento, o Tribunal de Aveiro apresentou um acórdão de 2 781 páginas que apanhou de surpresa a defesa. Também vários analistas políticos se declararam admirados com a dimensão das penas, aparentemente destinadas a advertir uma classe política muitas vezes suspeita de tráfico de influências.
A defesa tem 60 dias para recorrer. No recurso, bater-se-á para que o acórdão seja considerado nulo. Se o Tribunal de Relação lhe der razão, então o julgamento será repetido. Se não for assim, o tribunal de 2.ª instância limitar-se-á a fazer a sua apreciação do recurso.
Efetuadas ao longo de vários meses de 2009, as gravações das conversas telefónicas e dos SMS trocados entre Vara e Sócrates
já tinham sido parcialmente destruídas, em 2010, por ordem do então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento. Do todo, apenas chegaram a julgamento as partes que a instrução considerara relevantes. Assim, a defesa nunca chegou a conhecer o conjunto das palavras trocadas.
“É leal e aceitável que a acusação possa escolher uns trechos e eliminar outros?”, pergunta Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Vara. Mas, para ele, o acórdão revelou um aspeto “ainda mais escandaloso” relacionado com estas escutas: “O Tribunal limita-se a dizer que ouviu as gravações e leu os SMS e a confirmar que os trechos eliminados não eram, de facto, importantes. Ora, num Estado de Direito, todas as partes envolvidas têm o mesmo direito de aceder ao processo.”
Também Rui Patrício, advogado de José Penedos, ex-presidente da REN – e que juntamente com o filho, Paulo Penedos, são as outras figuras mediáticas do caso – se queixou da sobrevalorização dada às escutas. “O Ministério Público praticamente não analisou as provas produzidas em julgamento.” Daí que a acusação ao seu cliente resulte, conforme ironiza, de “um enredo de telefonistas”.
Mas a destruição das escutas poderá fazer toda a diferença, se a defesa conseguir a repetição do julgamento. É Ricardo Sá Fernandes, advogado de Manuel Godinho, quem explica: “Nesse caso, já não poderão funcionar como meio de prova.”
Sócrates a depor? Seria ‘um pratinho’
Aliás, Tiago Bastos entende que “não teria qualquer sentido nem utilidade” chamar Sócrates a depor, em caso de repetição do julgamento. E ironiza: “Seria um pratinho muito desejado pela acusação. Sempre houve uma paranoia neste julgamento em relação a Sócrates.”
E, no entanto, o advogado de Vara garante que, apesar de tudo, o mais importante não são as escutas mas os próprios factos atribuídos ao ex-ministro socialista: “Não são verdadeiros e, mesmo que fossem, não configurariam tráfico de influências.”, diz, socorrendo-se dos pareceres de dois professores de Direito, Costa Andrade e Pedro Caeiro.