Portugal, 2014. Passam 40 anos do primeiro Dia do Trabalhador em liberdade.
Raquel, 37 anos, fez tudo como os governos gostam: licenciou-se, investiu na sua educação, cultura e formação, trabalhou com dedicação. Criou o seu negócio, foi empreendedora, teve filhos, pagou os impostos e as dívidas. Não viveu acima das suas possibilidades. A empresa onde trabalha quis integrá-la num despedimento coletivo enquanto ela estava a amamentar, mas recuou por causa de dois pareceres da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), que dizem haver indícios de que ela está a ser discriminada em função da maternidade.
Resultado: Raquel está empregada, mas foi mandada para casa sem receber salário.
Em consequência, o marido foi forçado a emigrar. Os dois filhos – entre os quais uma bebé de 14 meses – ficaram com ela.
O dinheiro já não chega, o amanhã parece longe demais e ela diz-se vítima de “assédio moral”.
Mas em que é que a história desta mãe se relaciona com a de uma família poderosa de província, que fez fortuna a negociar automóveis? Além de terem sentido os efeitos da crise e da má gestão, os administradores terão usado a empresa de construção civil onde Raquel trabalha para obras nas suas casas particulares e para financiar campanhas do PSD. Hoje, a empresa está em coma: deve mais de 20 milhões de euros, tem mais de 600 credores à perna – com os bancos à cabeça – e requereu a aprovação de um Processo Especial de Reabilitação (PER). Um empreiteiro que fazia obras para a empresa e prestava serviços ao PSD foi apanhado no meio e ia penhorando a sede nacional do partido, em março, se o cheque com o valor que lhe devem não tivesse aparecido à última hora. Também credor da empresa de Raquel, o empreiteiro denunciou várias situações à PJ e ao fisco envolvendo promiscuidades entre a política e as empresas.
Raquel, essa, ainda luta, mas pensa emigrar. “Vale a pena?”, pergunta.