Dado o seu alcance e influência, a comunicação social atrai todo o tipo de impostores, vigaristas e burlões que lhe tentam vender as suas histórias, tentando conquistar os seus 15 minutos de fama. Uns mais malévolos que outros. As malhas dos filtros técnicos e deontológicos podem ser muito apertadas e evitar que passe muito lixo. Mas o certo é que todos nos arriscamos a ter o nosso Artur Batista da Silva.
Seguem-se alguns exemplos de barretes enfiados por jornalistas, nas últimas décadas.
O sangue é igual em todo o lado
No outono de 1983, bateu à porta do semanário O Jornal (precursor da VISÃO) um indivíduo que falava espanhol, contando como, disfarçado de missionário, iludiu as autoridades indonésias e, com a ajuda de uma freira algarvia, entrou em Timor-Leste. Oscar Edmundo Guerrero era um conhecido da equipa de O Jornal, no qual já publicara outros trabalhos, incluindo “a última entrevista” a Issam Sartawi, o representante de Iasser Arafat nas negociações secretas com Israel, assassinado em abril desse ano em Montechoro, Algarve.
E se a descrição que fez da chacina contra os timorenses impressionou, as fotografias que conseguira “salvar”, apesar de ter sido preso pelos indonésios e expulso, dizia, documentavam bem a brutalidade dos algozes ao serviço do ditador Suharto.
É bem verdade que a violência extrema no território foi uma realidade quotidiana de 1975 a 1999. Mais tarde, veio a revelarse que a descida ao inferno descrita por Guerrero era uma ficção apoiada em imagens captadas, anos antes, na guerra do Vietname, na sequência do massacre de My Lai.
Um jantar das arábias
Num panorama de imprensa, dominado pela mordaça da censura, o matutino O Século publicou uma “cacha” inusitada, na manhã de 13 de fevereiro de 1971: “Uma missão da Arábia Saudita, presidida exatamente pelo príncipe Iben Seddack (primo de Iben Saud), esteve em Lisboa quase 48 horas e o assunto foi o petróleo.” Meia Lisboa ficou em polvorosa com a notícia, que falava do interesse dos árabes no crude de Cabinda.
Irritado, o ditador Marcelo Caetano pediu contas ao seu chefe da diplomacia: “Então, estão árabes em Lisboa e eu não sei de nada?” Ruy Patrício respondeu-lhe também nada saber sobre o “facto”.
Os factos foram estes: na véspera, um Rolls-Royce parou à porta do restaurante de luxo Tavares Rico, com uma comitiva de homens vestidos à árabe; o proprietário do restaurante telefonou a informar o jornal; o chefe de redação, José Mensurado, enviou o repórter Roby Amorim para contar a história do jantar.
Mas a verdade foi esta: uma brincadeira levada a cabo por clientes habituais do restaurante, na sequência de uma aposta de que se entrassem vestidos de árabes, ninguém os reconheceria.
As roupagens e o carro foram alugados para aquela noite pela trupe composta por Jorge Correia de Campos (que fazia de príncipe Seddack), “Nicha” Cabral (corredor de Fórmula 1), Manecas Mocelek (gerente do Stones e do Ad-Lib, discotecas do jet set lisboeta), Frederico Abecassis, Manuel Correia (que levava um impressionante maço de notas), Michel da Costa (o conhecido cozinheiro e hoteleiro, o único que falava árabe) e Eduardo Oliveira Rocha.
Embuste. Ou talvez não
Em setembro 2004, rebentou, nos Estados Unidos, uma polémica em redor dos “Documentos Killian”, que davam conta da fraca prestação do então Presidente George W. Bush, no serviço militar. A dois meses da campanha presidencial norte-americana, eram apresentadas, na televisão, provas do parco desempenho militar na Guarda Nacional Aérea, entre 1972 e 1973, de um Presidente que, em pouco tempo, envolveu os EUA em duas guerras.
Foi o lendário jornalista Dan Rather a levantar a lebre, no programa 60 Minutes, da cadeia CBS. Mas a veracidade dos papéis que apresentou foi imediatamente contestada: Rather e a sua equipa não tinham confirmado, por meios forenses, a autenticidade da documentação retirada do espólio pessoal do comandante de Bush na Guarda Civil Aérea, o tenente-coronel Jerry Killian. Na verdade, tal autenticação teria sido impossível: tratava-se de fotocópias enviadas por fax, que teriam de ser comparadas com os originais.
Mas estes já não existiam. A fonte dos jornalistas, o tenentecoronel Bill Burkett, afirmava tê-los queimado. A reportagembomba rebentou, assim, na cara de Rather e dos que trabalhavam com ele. Ficou irremediavelmente manchada a reputação de um jornalista veterano, na altura já com 73 anos e uma folha de serviço exemplar. Agora, aos 81 anos, Rather continua convicto de que os documentos eram verdadeiros e espera que, um dia, alguém revele a verdade. É que, se a autenticidade não foi confirmada, também ninguém provou cabalmente que a documentação foi forjada.
Falso suicídio
Portugal chorou por breves instantes uma estrela italiana.
“Monica Vitti suicidou-se ontem em Roma”, noticiou, a 4 de maio de 1988, o vespertino Diário de Lisboa, reproduzindo uma “cacha” publicada nessa manhã pelo matutino francês Le Monde.
Mas, na manhã seguinte, o jornal parisiense enviava um ramo de rosas à atriz, com um pedido de desculpas. Le Monde contava que, na antevéspera, um homem que se identificara como o representante do agente de Vitti em França, ligara em lágrimas, para a redação, a comunicar o “infausto acontecimento”. O jornal caiu na brincadeira de mau gosto e o Diário de Lisboa foi atrás, vendo-se obrigado a desmentir a notícia e a pedir desculpa.
Tóxico para a BBC
Logo pela manhã de 3 de dezembro de 2004, o vigésimo aniversário do desastre de Bhopal, na Índia, as câmaras da BBC, mostram um executivo engravatado, com a Torre Eiffel em fundo. O homem é identificado como Jude Finisterra, porta-voz da multinacional química Dow Chemical, que comprara a Union Carbide, a empresa responsável pelo desastre que, em 1984, matara milhares de pessoas e deixara 120 a necessitarem de cuidados médicos permanentes.
Finisterra anunciava que a Dow decidira vender a Union Carbide e usar a verba da alienação para pagar os cuidados médicos aos sobreviventes, a limpeza do local onde ocorreu o acidente e financiar uma investigação sobre os riscos dos produtos da Dow. A cobertura foi estrondosa. A notícia dominou os noticiários, ao longo de duas horas, até a Dow a desmentir. Mas o impacto do desmentido foi ainda maior. Nesse dia, a cotação das ações da Dow caíram 23%, perdendo um valor bolsista equivalente a 2 mil milhões de dólares. A verdade é que Finisterra era afinal Andy Bichlbaum, que, com Bonanno, forma a dupla conhecida por Yes Men ativistas da chamada cultura de jamming, cujo objetivo é chamar a atenção para assuntos sociais e ambientais problemáticos, fazendo aquilo a que chamam “correção de identidade ” das entidades, governos e multinacionais, que visam nas suas ações.
Um quase barrete
Ficou para a história como o caso da vichyssoise, depois de Paulo Portas, então diretor do semanário O Independente, ter admitido, em 1993, num programa de Herman José, que havia sido enganado por Marcelo Rebelo de Sousa, uma das suas fontes de informação. Segundo Portas, Marcelo contara-lhe uma história sobre um jantar que o Presidente da República de então, Mário Soares, tivera em Belém com vários constitucionalistas.
Marcelo terá relatado tudo com um enorme grau de pormenor: desde as figuras presentes, às conversas, passando pela ementa, que incluía a famosa sopa fria feita à base de alho francês, natas e caldo de galinha.
A notícia nunca saiu, porque Portas veio a saber atempadamente que toda aquela história tinha sido inventada e que o jantar de vichyssoise nunca existira.