Já todos julgámos que em certos dias não valia a pena termos acordado – constatamos assim o fracasso de 24 horas que preferíamos esquecer. Certamente que na quarta-feira, 3, os deputados do PS com assento na Comissão de Ética da Assembleia da República tiveram um dia assim – e bastaram 150 minutos para o deplorarem. Passavam cerca de 15 minutos sobre a hora marcada quando Manuela Moura Guedes, a jornalista da TVI que editava e apresentava o Jornal de Sexta, suspenso em Setembro do ano passado, entrou na sala 7 do Parlamento. Começou o calvário socialista.
A jornalista leu trechos de uma entrevista de Bernardo Bairrão, o administrador ouvido ontem, que assumiu a suspensão do jornal, “no limite da legalidade”. Nas declarações à Sábado, o administrador da Media Capital dizia, em 20 de Agosto, que o jornal era para continuar, embora duas semanas depois o tenha suspendido. A jornalista disse ainda que a equipa que trabalhava no seu jornal foi desmembrada, intervindo agora de forma desgarrada nos noticiários da estação de Queluz.
De seguida, a Manuela Moura Guedes disse que outros profissionais da informação da estação têm mais documentos sobre o caso Freeport, “que implicam o senhor Primeiro-ministro”, mas que não têm sido apresentados nos telejornais da estação. Os documentos, segundo Moura Guedes, referem-se a “tranches de pagamentos de depósitos feitos na empresa Smith and Pedro”, alvo de investigação no caso do licenciamento do outlet de Alcochete. Mais: Moura Guedes afirmou ainda que os magistrados que tratam o caso são permeáveis. “Não são só as redacções dos jornais que recebem telefonemas do gabinete do Primeiro-ministro. A inspectora Alice, [da Polícia Judiciária] de Setúbal também os recebe e é muito permeável a eles”, contou a jornalista.
A ex-pivô declarou ainda que Bernardo Bairrão lhe disse que a “decisão tinha sido tomada em Espanha”, pelos administradores da Prisa, Ignacio Polanco e Juan Luis Cebrián. E que António Vitorino, ex-ministro socialista e comentador da RTP, teria pressionado Bernardo Bairrão.
O arrasador depoimento, que confirma ponto por ponto anteriores depoimentos da jornalista, teve ainda um momento hilariante, quando aludiu a uma informação que tinha de que Cebrián estaria farto dos telefonemas do Primeiro-ministro português e que este até havia telefonado para o Rei de Espanha. “Isso é que é uma pressão real”, comentou o deputado do PCP, o advogado João Oliveira.
Manuela Moura Guedes, que foi ao Parlamento na companhia do marido, José Eduardo Moniz, ex-director-geral da TVI, lembrou ainda os deputados que o seu noticiário nunca havia sido desmentido formalmente, nem alvo de pedidos de direito de resposta, nem processado por membros do governo. “Fazíamos jornalismo de investigação e tivémos sempre o escrupuloso cuidado de checar várias vezes a informação e de nos apoiarmos em documentos”, explicou a jornalista, que adiantou ter convidado dezenas de vezes membros do governo para lhes permitir o contraditório.
No final do depoimento, antes da entrada de Francisco Pinto Balsemão, a segunda pessoa ouvida pela comissão, o PSD anunciou que pretende incluir na lista de personalidades a depor os jornalistas Júlio Magalhães (actual director de informação da TVI), Carlos Enes, Ana Leal e Vitor Bandarra, todos da redacção do canal de Queluz.
O presidente do Conselho de Administração da Impresa (proprietária da SIC, Expresso e VISÃO), começou o depoimento por ilustrar dois cenários possíveis. Um, que considerou um “plano conspirativo, muito bem concebido”, passaria por 10 pontos: 1) a produção de legislação (que enfraqueceria os grupos privados e fortaleceria os públicos), 2) a compra da TVI pela PT, 3) o controlo da Impresa pela Ongoing, 4) a compra do Correio da Manhã (lembrou que se chegou a falar num valor de 140 milhões de euros) e 5) do grupo Controlinvest (detentor do DN e do JN), 6) o controlo da RTP e RDP, 7) o controlo da Lusa, de que o Estado é o maior accionista, 8) o lançamento de um 5º canal generalista, em sinal aberto, 9) o adiamento do TDT paga, 10) e o fecho do semanário Sol. O outro, a que chamou o “cenário do acaso e da incompetência”, passaria pelos mesmos pontos, mas a sua concretização, parcial ou total, não seria inspirada pelas mesmas intenções.
Balsemão acabaria por defender que vários pontos do plano “conspirativo” se concretizaram. O patrão da Impresa disse ainda que publicaria a crónica de Crespo, afirmou que assistira a várias peças jornalisticamente competentes no Jornal de Sexta, embora não se reconhecesse no seu estilo, e considerou que a PT não teria avançado para a compra da TVI sem o conhecimento do Governo. Criticou ainda o excesso de poderes da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, defendeu o papel dos conselhos de redacção e disse que o “público é o grande aliado do jornalismo de qualidade”.
Também o depoimento de Balsemão não foi o paliativo de que os socialistas precisariam para salvar a cara. Há dias assim…